quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Os furos da sentença “irretocável”



Os furos da sentença “irretocável”

A reportagem de Mário Cesar Carvalho, na Folha, lista contradições da sentença contra Lula que será analisada (embora com um número impreciso de pré-julgamentos, para os quais a decisão já tinha sido tomada  antes de sequer lida).
Lista algumas, apenas, porque haveria dúzias a reunir e, a rigor, bastaria quase que uma delas fosse reconhecida para desabar todo o castelo de cartas que foi montado.
A começar pela irrespondível colisão entre o fato de que o ex-presidente foi acusado de receber um apartamento  como paga por contratos superfaturados da OAS com a Petrobras e o próprio Sérgio Moro reconhece que “jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram utilizados para pagamento de vantagem indevida para o ex-presidente”.
Portanto, a acusação é inepta e a jurisdição de Moro sobre o caso não existe. Mesmo que houvesse o apartamento prometido, não seria Curitiba o foro para julgar o fato, mas São Paulo, onde o processo se iniciou e foi “fatiado” para mandar o ex-presidente ao açougueiro de Curitiba. Tanto que o “resto” ficou lá e terminou com a absolvição dos acusados.
Ou seja, nem mesmo ao mérito da acusação – se Lula recebeu ou combinou receber o apartamento – deveria ter sido julgado por lá, mas devolvido para distribuição em outra vara criminal.
Como parece pacífico – embora Moro diz que nem vem ao caso – que Lula jamais foi possuidor (nem como proprietário, nem como usuário) do “triplex”, restaria como ato de corrupção ter “solicitado” ou “aceito a promessa” de recebê-lo.
Em nenhuma das milhares de páginas do processo há menção de que Lula o tenha solicitado. E menos ainda que “tenha aceito” a promessa. Aliás, o próprio delator diz que jamais conversaram sobre a diferença entre o valor das cotas que D. Marisa possuíra no condomínio e o do tal apartamento.
Falta, ainda, o “ato de ofício” praticado ou permitido por Lula, que não tem prova alguma exceto o capenga “domínio do fato” da indicação – nem a nomeação, que é feita pelo Conselho de Administração – de diretores da Petrobras, o que seria indispensável, nas palavras do insuspeito Celso de Mello, antipetista até a medula:
[…]o ato de ofício constitui requisito indispensável à plena configuração típica do crime de corrupção passiva, tal como vem este delito definido no art. 317, caput, do Código Penal. A essencialidade do ato de ofício torna-o elemento imprescindível ao exame da subsunção de determinado comportamento ao preceito de incriminação constante da norma penal referida.
Há toneladas de imperfeições na sentença de Moro, a tal “irretocável” na definição do presidente do Tribunal que irá julga-lo, inclusive contradições cronológicas insanáveis, como aquela que se apontou aqui , na qual a “delação interessada” de Léo Pinheiro cria uma suposta ordem de Lula para “destruir” provas de “encontros de contas”  em “abril ou maio de 2014”  que é também aceita pacificamente por Moro em outros pontos da sentença, como no que diz que “o preço do imóvel e os custos das reformas seriam abatidos da conta corrente geral da propina, o que teria ocorrido, segundo José Adelmário Pinheiro Filho, em reuniões havidas em 09 e 22 de junho de 2014″(parágrafo 877 da sentença).
A crítica à sentença, portanto, está longe de ser apenas política. É, ao contrário, à inspiração e “convicção” políticas terem sido colocadas sempre acima das provas , torcendo-as até que “concordassem” com o objetivo de condenar Lula.
Abaixo a matéria de Mario, na Folha:

  "A defesa do ex-presidente Lula vai usar no julgamento do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) uma aparente contradição do juiz federal Sergio Moro para tentar reverter a sentença em que o político foi condenado a nove anos e seis meses de prisão.
Moro não poderia ter julgado o caso após afirmar que os recursos para a reforma do tríplex não têm relação com os desvios da Petrobras, segundo defensores de Lula.
O ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli decidiu que o juiz de Curitiba só pode julgar os casos relacionados à estatal petroleira.
A relação entre a reforma e os desvios da Petrobras era o cerne da acusação dos procuradores contra Lula.
Na sentença em que condenou Lula, de 12 de julho do ano passado, o juiz diz que o recursos para a reforma do tríplex, no valor de R$ 3,7 milhões, saíram de conta que o grupo OAS tinha com o PT "decorrente da contratação dele [o grupo OAS] pela Petrobras".

A propina estimada pelos procuradores, escreve o juiz na sentença, era de R$ 87,6 milhões, o equivalente a 3% do valor de contratos da OAS em obras como as das refinarias Abreu e Lima, em Pernambuco, e Getúlio Vargas, no Paraná. O PT, por sua vez, ficava com 1% desse montante, enquanto a OAS destinou os R$ 3,7 milhões para reformar o apartamento no Guarujá que teria reservado para o ex-presidente.
Há na sentença, para a defesa de Lula, uma relação direta entre a propina e os contratos da OAS com a Petrobras.
Seis dias depois da condenação, ao julgar recursos impetrados pela defesa de Lula, Moro teria caído no que os advogados do ex-presidente chamam de contradição: "Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram utilizados para pagamento de vantagem indevida para o ex-presidente", escreveu ao rejeitar os recursos.
Se os três desembargadores que vão julgar Lula aceitarem esse argumento, o processo pode voltar ao marco zero em outra vara federal.
Essa é a principal linha de defesa do ex-presidente no recurso que será julgado em Porto Alegre, onde fica o tribunal que analisa os recursos contra decisões de Moro, na próxima quarta (24). A argumentação foi noticiada pela coluna "Painel" no domingo (14).
Há, porém, outras contestações à sentença que condenou Lula no memorial preparado pelos advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Martins.
Uma das contestações diz que os procuradores violaram o Código de Processo Penal ao fazer um show midiático ao apresentarem a denúncia contra Lula, em fevereiro do ano passado. É o evento do PowerPoint, no qual todas as irregularidades convergem num gráfico para Lula, apresentado como comandante máximo do esquema criminoso pelo procurador Deltan Dallagnol.
O Código de Processo Penal prevê que o julgamento seja feito com sobriedade e, no caso do PowerPoint, os procuradores provocaram, para a defesa, um julgamento paralelo, feito pela mídia.
O empresário Marcelo Odebrecht, antes de fazer o acordo de delação, também afirmava que estava sendo julgado pela mídia e isso violava acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Há ainda a acusação de que a sentença não tem correspondência com a denúncia, o que afrontaria a lei, ainda de acordo com a defesa.
Isso teria ocorrido no momento em que Moro retira, na resposta ao recurso, a Petrobras da cena do suposto crime. Como a denúncia relacionava a propina paga ao PT e a Lula aos contratos da OAS com a estatal, a sentença teria violado a legislação ao incluir questão que não fazia parte das acusações. Em comparação simples, seria como um juiz condenar alguém que os promotores acusavam roubar galinha de ser estelionatário.
A defesa de Lula diz ainda que o crime de corrupção pelo qual ele foi condenado requer o que os especialistas chamam de "ato de ofício", alguma decisão oficial do ex-presidente que tivesse beneficiado a OAS nos contratos que fechou com a Petrobras. Não há nenhum ato assim, segundo advogados de Lula.
O ex-presidente também rebate o depoimento Léo Pinheiro, sócio da OAS, de que o recurso para reformar o tríplex saiu de conta que a empresa tinha com o PT.
Segundo a defesa de Lula, isso jamais foi provado. Pinheiro fez essa declaração por desespero, dizem os advogados, porque buscava fechar um acordo de delação para deixar a prisão.
No curso do processo, Moro rejeitou todas as alegações da defesa do petista.
A DEFESA DE LULA
O que os advogados do ex-presidente irão argumentar no julgamento do dia 24
Acusação excessiva
Na visão da defesa, limites da lei para acusar foram extrapolados, quando por exemplo, o procurador Deltan Dallagnol projetou um gráfico em que o ex-presidente era apresentado como chefe de uma quadrilha
Não há relação entre sentença e denúncia
A denúncia, segundo a defesa de Lula, dizia que os recursos usados no tríplex eram provenientes da Petrobras. Ao julgar o caso, Moro rompeu essa relação, dizendo que não havia relação entre o suborno e os contratos
Não há ato de ofício
Para caracterizar corrupção, Lula teria de ter praticado algum ato que beneficiasse a OAS. Esse ato seria a nomeação dos diretores da Petrobras por Lula. Na sentença, no entanto, o juiz se contradiz, segundo a defesa
Lula não tinha poder sobre a Petrobras
A sentença aponta que Lula nomeou diretores para a Petrobras que tinham como função desviar recursos para partidos, mas a nomeação dos executivos depende do conselho de administração da estatal
Sem provas, delator foi central
As declarações do ex-presedente da OAS Léo Pinheiro e de executivos da OAS, presos por mais de dois anos, foram usadas sem que eles apresentassem provas concretas contra Lula, de acordo com defesa 

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