quarta-feira, 1 de novembro de 2017

A tolice das entrevistas sobre esse tal do “mercado”, por Luis Nassif

A tolice das entrevistas sobre esse tal do “mercado”, por Luis Nassif



 No governo Ernesto Geisel, Golbery do Couto e Silva recebia alguns
poucos jornalistas. E as entrevistas saíam como “fontes” do Palácio. Aí
os setoristas descobriram o Sargento Quinsan, uma espécie de ajudante
menor de Golbery. Passaram a conversar com ele e as conversas eram
atribuídas igualmente a “fontes do Palácio”.


Hoje em dia, o Quinsan da imprensa é o tal do “mercado”.


O Vinicius Torres Freire, da Folha, publicou um bom artigo desmistificando essas manipulações.


Primeiro, há enorme confusão em tratar qualquer empresário como fonte
do mercado. Por mercado, entenda-se o setor financeiro da economia.


Há um primeiro nível, o chamado clube dos bilionários, integrado por
famílias tradicionais e pelos bilionários recentes, todos com com viés
internacionalista.


As influências máximas são Jorge Paulo Lehman e Roberto Setubal.
Lehman se funda em um ideário de corte radical de custos e eficientismo
no nível máximo. Roberto Setubal é mais sofisticado, entende a
importância de disputar o poder político. Há outras lideranças como o
grupo da Natura, especialmente Guilherme Leal. É um grupo que tenta
casar liberalismo econômico com modernização moral. Juntam-se a eles os
Vilela-Setubal, os Klabin-Lafer, os Feffer, Moreira Salles.


São intelectualmente mais sofisticados e têm em comum, ou a mesma árvore genealógica, ou a mesma origem no período getulista.


Nas origens, parte é paulista de Sâo Paulo; parte, mineiros-paulista
que desceram para o sul do Estado e se espalharam em uma vasta região
englobando Ribeirão Preto, São Carlos, São José do Rio Pardo, o sul de
Minas e cidade limítrofes.


Na formação, surgem na mesma época do início dos grandes grupos
nacionais, no período do Estado Novo, uma mescla de empresários
quatrocentões, saindo do café, e imigrantes judeus que lançam as bases
da industrialização brasileira.


Tem ascendência também sobre os diversos fundos familiares, que
assumiram enorme relevância nos últimos anos, em geral constituídos a
partir da venda de empresas nacionais para grupos estrangeiros.


Nesse micro-cosmo, sobressaem também os grandes gestores de fortunas,
aqueles que mais apropriadamente podem ser considerados “o mercado”.


Não são muitos, talvez meia dúzia. Eles formam a opinião do mercado
em relação a temas econômicos e políticos – não político partidário, mas
no sentido de precificar eventos políticos.


Sua lógica é simples.


São melhores preparados que a ampla maioria. Trabalham com análises
de médio prazo e com fundamentos da economia. A boa leitura dos
fundamentos permite fugir das armadilhas do dia-a-dia,  porque a partir
dela traçam-se as linhas de médio e longo prazo, controlando melhor os
limites das oscilações do curto prazo.


Por exemplo, pela análise dos fundamentos, a economia está em 5 e
pode ir para, digamos, 10. Essa trajetória define toda sua ação e lhe
permite faturar em cima das oscilações de mercado.


Criam expectativas sucessivas em cima de determinados eventos. Tipo,
se for aprovada tal lei, o mercado sobe, mesmo que a tal lei não tenha
grande relevância ou grande impacto. Em seguida, com seu poder de fogo –
e acesso à mídia especializada – vai fomentando o tema, aquecendo,
turbinando. Um pouco antes do fato se realizar, com os ativos no máximo,
passam a desovar seus papéis, derrubando o mercado.


Até agora, tratamos do Estado Maior.


Debaixo deles, há um exército jovem, radical, primário.


Numa ponta, com um pouco mais de parcimônia, os economistas,
trabalhando suas projeções. Superiores aos economistas, há os operadores
– os que tomam decisões de compra e venda.


É desse grupo, barulhento e juvenil, que vem as vaias a Dilma, os WhatsApp com o MBL, eventualmente o apoio a Bolsonaro.


Sua importância é a mesma de um militante do MTST ou do MST. Mas conseguem ser mais barulhentos ainda.


Na linha de baixo, há as lideranças empresariais, bastante
esvaziadas. O sistema CNI (Confederação Nacional da Indústria), com a
FIESP e suas congêneres, a Abimaq e outras entidades que perderam a
expressão com o esvaziamento industrial do país.


Fora do eixo Rio-São Paulo, há a influência de Jorge Gerdau e de um
grupo que se formou em torno dos programas de qualidade e gestão. Nesse
caso, com um viés político mais conservador.

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