quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Taxa de juros e Reforma Monetária

Taxa de juros e Reforma Monetária - Carta Maior



Taxa de juros e Reforma Monetária

Intelectuais orgânicos do financismo enchem a boca para
defender as virtudes e necessidades de reformas como a previdenciária, a
trabalhista e a tributária





Paulo Kliass *











Durante os dias 5 e 6 de
setembro o Conselho de Política Monetária (COPOM) deverá realizar sua
209ª Reunião Ordinária. Como acontece a cada 45 dias, os integrantes da
diretoria do Banco Central do Brasil assumem um uniforme distinto e
debatem a respeito das diretrizes de política monetária do governo. Em
particular, os diretores travestidos de conselheiros decidem quanto ao
patamar da taxa oficial de juros, a SELIC.

É sabido que os
efeitos destruidores do austericídio sobre a realidade econômica e
social de nosso País obrigaram os responsáveis pela política econômica a
serem um pouco menos catastróficos em seu grau de ortodoxia. Assim, em
outubro do ano passado, o COPOM decidiu por uma diminuição marginal na
taxa, que saiu dos então 14,25 % para 14% ao ano. E a partir de então
houve uma sequência de reuniões em que a SELIC foi sendo sucessivamente
reduzida, até atingir os atuais 9,25%.

Ocorre que a recessão
profunda da atividade econômica terminou por reduzir também o próprio
ritmo de crescimento dos preços de uma forma geral. Assim é que o índice
oficial de preços do governo federal (IPCA) registrava 9% anuais em
agosto do ano passado e agora aponta para apenas 2,7% em 12 meses,
segundo a última medição do IBGE realizada em julho recente. Isso
significa que a taxa real de juros apresentou uma elevação, ao contrário
do que a ilusão da queda nominal da SELIC nos leva a imaginar. A
dimensão real da taxa se obtém ao retirar o efeito inflacionário da
mesma.

Juros elevados: perversidade.
Os impactos da
política monetária agressiva sobre o conjunto da economia são vários e
de natureza diversa. O mais evidente se refere às consequências que
carrega sobre a produção e o consumo, ao provocar um encarecimento dos
custos financeiros de qualquer tipo de atividade. E nesse domínio a
sociedade brasileira vem apresentando há décadas uma impressionante
aptidão para ocupar o primeiro lugar entre as demais nações. A
insistência dos magos do liberalismo das grandes corporações em manter a
taxa de juros nas estrelas pode ser apontada como um dos principais
fatores responsáveis pelo nível de desemprego e de falências que o
Brasil alcançou ao longo dos últimos anos.

Além disso, é
importante registrar a particularidade dos “spreads” praticados em
terras tupiniquins pelos bancos e demais instituições financeiras. O
órgão regulador do sistema não se manifesta a respeito desse mecanismo
de extorsão institucionalizada e a banca segue intocável na exibição de
seus lucros bilionários a cada novo período de apuração de seus
resultados. Trata-se de um diferencial astronômico entre taxas de juros
cobradas nas operações de crédito e de empréstimos quando comparadas às
taxas que remuneram os recursos que os clientes deixam depositados. O
setor real vai quebrando na mesma proporção em que os bancos seguem
acumulando.

Por outro lado, a taxa oficial de juros é o fator de
referência para a remuneração do estoque de nossa dívida pública. Em
função disso, a sociedade acaba sendo obrigada a efetuar um enorme
esforço para direcionar parcela expressiva dos recursos públicos para o
pagamento das obrigações orçamentárias de natureza financeira. De acordo
com as últimas informações oficiais, o Estado brasileiro gastou o
equivalente a R$ 428 bilhões para o pagamento de juros da dívida pública
no período compreendido entre agosto de 2016 até julho passado.  Uma
loucura!

Queda na SELIC e alta no juro real.
As
especulações em torno das instituições e profissionais do mercado
financeiro ouvidos pelo próprio BC semanalmente apontam para uma
eventual nova diminuição marginal da SELIC. É bem capaz que o comunicado
ao final da reunião de quarta-feira mencione uma redução de mais um
ponto percentual. Mas a realidade objetiva é que a diminuição da
inflação estaria exigindo uma redução ainda mais acentuada na SELIC,
para que seus efeitos sobre o estímulo do crescimento da economia sejam
para valer e não dependendo de uma melhorazinha aqui ou ali no padrão de
consumo das famílias. É preciso que não nos iludamos com a decisão do
COPOM, ainda que trazendo a taxa para níveis próximos a 8% ao ano. Isso
porque o IPCA caiu ainda mais no período recente e o efeito sobre o juro
real não foi plenamente compensado.

Os intelectuais orgânicos
do financismo enchem a boca para defender as virtudes e as necessidades
de reformas como a previdenciária, a trabalhista e a tributária. Enfim,
desnecessário dizer que são sempre propostas de mudanças pela ótica do
conservadorismo e de defesa dos interesses do grande capital. No
entanto, ninguém se manifesta a respeito de uma reforma essencial, que
viria para promover uma transformação em profundidade dessa relação de
dependência química de nossa sociedade com relação a juros elevados.

Refiro-me
a uma reforma monetária em sentido amplo, em que o Banco Central
recupere seu papel de instituição pública e deixe de operar como um mero
puxadinho dos interesses dos banqueiros. Uma reforma em que a
autoridade monetária passe a refletir os interesses do conjunto da
sociedade e não apenas os desejos de meia dúzia de grandes conglomerados
financeiros. Uma reforma monetária em que a taxa de juros esteja
colocada em patamares, digamos, “civilizados”, em algum grau de
consonância com as taxas praticadas nos demais países do mundo
desenvolvido.


Reforma monetária: mudança necessária.
Penso
em uma reforma monetária que diminua drasticamente a espoliação
praticada pelo sistema financeiro, tal como ocorre há tempos por meio de
“spreads” absurdos praticados nas operações e tarifas imensas cobradas
pelos serviços prestados. Uma reforma monetária em que o órgão regulador
passe a atuar para corrigir distorções de um modelo absolutamente
assimétrico, onde dezenas de milhões de correntistas são obrigados a
aceitar a imposição de alguns poucos agentes financeiros operando sob a
forma de oligopólio. Uma reforma monetária que recupere o necessário
protagonismo do Estado como provedor de recursos a custos mais razoáveis
e como regulamentador de um sistema que é desigual por sua própria
natureza.

Enfim, uma reforma que contribua para uma mudança
cultural e social, onde os índices de rentabilidade financeira em geral
sejam menos exorbitantes. Uma reforma monetária em que conjunto da
sociedade passe a conviver em ambientes onde a economia real, a produção
e os serviços efetivos sejam colocados em posição de maior relevância
quando comparados à hegemonia atualmente exercida pelos ganhos do
parasitismo financeiro e especulador. Uma reforma monetária que
introduza mecanismos de tributação para que o sistema financeiro passe a
contribuir para o fundo público, a exemplo de impostos sobre o
patrimônio e a grande movimentação financeira.
 
 * Paulo
Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista
em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo
federal.

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