domingo, 17 de setembro de 2017

Julgamento de um episódio infame:

Julgamento de um episódio infame: os meninos "terroristas", por Luis Nassif



Há pouco mais de um ano, no dia 4 de setembro de 2016, produziu-se em
São Paulo um dos episódios mais escabrosos desse período de estado de
exceção e perseguição política, que ainda poderá entrar para a história
da mesma maneira que as armações do Cabo Anselmo, as Cartas Brandi e
outras grandes falsificações da história.


Dilma Rousseff havia caído. Havia movimentações de protesto por
várias capitais brasileiras. O componente militar era uma das saídas
políticas para coibir as manifestações, conforme imaginado pela
quadrilha que se apossou do poder,


Decidiu-se, então por uma armação, de montar uma arapuca, prender um grupo de jovens e imputar a eles propósitos terroristas.


A armação foi montada pelo ex-Secretário de Segurança Alexandre
Morais, que se tornara Ministro da Justiça, com a participação do
serviço secreto do 2o Exército.


Um militar de 40 anos infiltrou-se em um grupo de namoro de
adolescentes. Há suspeitas, inclusive, que tenha se relacionado com
menores de idade. Era um desses inúmeros grupos que se organizam
virtualmente, através das redes sociais, e que, até então, não tinham
combinado nenhum encontro. O primeiro foi marcado para aquele dia, para
participar das manifestaçòes.


Seguiram para a Avenida Paulista. Com eles, o capitão do exército
William Pina Botelho, agente infiltrado. Foi de Botelho a sugestão para
que fossem até o Centro Cultural. Os meninos reagiram um pouco, não
vendo lógica na sugestão, mas acabaram acatando. Enquanto caminhavam,
helicópteros sobrevoavam o grupo.


Chegando no Centro Cultural, os meninos foram cercados por dezenas de
Policiais Militares. Foram levados a um ônibus-viatura, enquanto o
capitão escafedia-se. Dentre os objetos encontrados com o grupo,
celulares, um chaveiro com a cara do Pateta, vinagre (que serve para
contrabalançar gases tóxicos) e algumas máscaras de enfermeira (uma das
moças era da Cruz Vermelha). Um dos PMs tentou enfiar em uma sacola um
pedaço de pau, que estava no Centro Cultural, mas não teve sucesso:
confundiu as sacolas. Arrancaram a insígnia da Cruz Vermelha da moça,
para fortalecer a tese do uso de máscaras. Encontraram alguma
dificuldade em transformar uma máscara de enfermeira em capuz de black
bloc.


Os meninos foram para o DEIC e contaram com o apoio da mídia
alternativa, Jornalistas Livres, Mídia Ninja e Ponte. E de dois
procuradores da República (federais) ligados a direitos humanos, que
correram até lá para impedir qualquer dano físico.


A tentativa de transformar o grupo em terroristas perigosos não
resistiu à análise dos rapazes e moças, jovens, estudantes, alguns
trabalhando, sem passagens pela polícia. Dentre eles, até uma moça, neta
do ex-governador Paulo Egydio Martins que, em sua gestão, lutou contra
os abusos do 2o Exército comandado pelo general Ednardo.


Os meninos permaneceram no DEIC até metade do dia seguinte, em clima
de absoluto horror. Colocados de costas, os PMs miravam os lasers por
sobre sua cabeça, para simular fuzilamento.


Foram liberados por um juíz que protestou contra os abusos das prisões.


Nos meses seguintes, a vida do grupo virou pelo avesso. Alguns foram
impedidos de se matricular nas escolas estaduais, muito perderam o
emprego, vários se viram tomadas de pânico à menor aproximação da
polícia.


Os autores desse feito humilhante, que envergonha qualquer noção de
civilidade, foram promovidos. Alexandre de Morais saltou para o
Ministério da Justiça de Temer e, depois, para o Supremo Tribunal
Federal. O capitão virou major. Os dois procuradores que correram para
garantir a segurança dos meninos foram oficialmente admoestados pelo
Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), atendendo a uma
reclamação do Ministério Público Estadual de São Paulo, por
“intromissão”.


Exército e Secretaria de Justiça do Estado atropelaram a
Constituição, que diz que a atuação do Exército nos estados depende de
acordo formal. Nos meses seguintes, trataram de varrer a sujeira para
baixo do tapete.


Nos próximos dias, o grupo será julgado no Fórum da Barra Funda. A
juíza será Cecília Pinheiro da Fonseca. O promotor, Fernando
Albuquerque, que decidiu denunciar os jovens por terrorismo e formação
de quadrilha – o que poderá significar até 9 anos de prisão para os
jovens. O nome do agente infiltrado sequer é mencionado, para não
caracterizar a ilegalidade da operação.


O resultado desse julgamento será um bom termômetro para avaliar o
processo político brasileiro: se refluiu o macarthismo e o Estado de
Exceção, e se as vozes da legalidade e do bom senso já se fazem ouvir.

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