domingo, 18 de junho de 2017

Demolição progressiva do respeito pela Justiça

Gilmar Mendes promove demolição progressiva do respeito pela Justiça - 15/06/2017 - Janio de Freitas - Colunistas - Folha de S.Paulo



Gilmar Mendes promove demolição progressiva do respeito pela Justiça






O mais perturbador na atual crise não está nos aspectos políticos e econômicos, apesar da sua extrema gravidade.





Está na ausência de alguma saída ao menos razoável entre as presumíveis
para a situação a que se chegou. A intuição desse embaraço esteve
expressa, até há pouco, no desejo de "fora, Temer" em convívio com o "e
pôr quem?". Ganhou forma e consciência: avançou para um desalento
disseminado, com ares de unanimidade fora do arraial de políticos. Esse
misto de desânimo e desesperança foi o resultado verdadeiro do
julgamento em que o TSE jogou no lixo as provas e o que restava de bom
conceito nos tribunais superiores.





É provável que o desalento e suas razões resultem em algum
amadurecimento político para parcelas tanto da esquerda como da direita.
Assim como a "decepção" de que se queixam ex-admiradores de Aécio
Neves. (A reação de ex-petistas é diferente, mais se manifesta como
ressentimento algo raivoso). Não se espere, porém, que tal
amadurecimento se dê onde mais falta: entre políticos e empresários
perceptíveis, dois segmentos sociais que se igualam e se associam na
mesma recusa a ver e agir além do próprio interesse material.





Se o julgamento no TSE deu em alguma coisa, deve-se a Gilmar Mendes.
Sua obra de demolição progressiva do respeito público pela Justiça não
inovou no seu método –o escárnio agressivo, como arma do facciosismo.
Mas criou ali um risco para os seus colegas no Supremo Tribunal Federal.
O novo pedido de impeachment de Gilmar Mendes foi preparado para
dirigir-se, desta vez, ao STF. O primeiro foi dirigido, como devia ser,
ao Senado, onde Renan Calheiros representou a covardia da Casa e o
engavetou. A nova destinação é uma beira de abismo para os colegas de
Gilmar Mendes.





Os autores do pedido são Cláudio Fontelles e Marcelo Neves. Este,
professor de direito da Universidade de Brasília. O primeiro é o
ex-procurador-geral da República que reinaugurou a decência na
Procuradoria Geral, seguindo-se a Geraldo Brindeiro, o
"engavetador-geral" nomeado e mantido por Fernando Henrique.





Fontelles, que recusou a reeleição porque no passado defendera o rodízio
rígido, desfruta de alto prestígio na classe jurídica por sua
honorabilidade e pelo saber. É notório que não está se lançando em
leviandade.





Um processo de impeachment não é, porém, coisa esperável no Supremo dos
nossos dias. Até para a mera admissão do pedido, considerada a
proximidade intelectual da presidente Cármen Lúcia a Gilmar Mendes. Além
disso, a índole dominante no conjunto de ministros é a de pessoas acima
de qualquer restrição, por mais que um ou outro dos juízes derrube, em
visões externas, a autoconsagração.





Se aceitar o processo de impeachment seria um despropósito para os
colegas de Gilmar Mendes, repeli-lo, a priori ou por decisão final,
seria desastroso. Do ponto de vista mais objetivo, são inúmeras as
provas de conduta imprópria desse ministro que se considera acima de
todo regramento. E das maneiras pessoais civilizadas –sobretudo se
recomendadas pela ética da magistratura.





A par daquele cadastro factual, prevalece na opinião pública, por
iniciativa do próprio Gilmar Mendes, a convicção de sua
incompatibilidade com a função. E não se vislumbra defesa possível para
as atitudes que formaram tal convicção e, muito menos, para convencer a
opinião pública. Admitir o processo será um martírio; recusá-lo leva ao
risco de estender ao Supremo o conceito hoje ostentado pelo TSE.





O Supremo está à porta do seu momento mais difícil. Seus últimos
presidentes quiseram assim, preferindo curvar-se, omissos, aos desafios
de Gilmar Mendes.

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