segunda-feira, 1 de maio de 2017

Micos amestrados

Fernando Brito



Micos amestrados, por Luís Costa Pinto

delonge


Do sempre lúcido Luís Costa Pinto no Poder360 – que se tornou leitura
indispensável – uma análise acachapante do comportamento da mídia
brasileira diante da greve geral, com o obrigatório destaque àquilo que
já se registrou aqui: a “pérola” da Folha ao chamar o capitão Augusto
Sampaio de “homem trajado de policial militar”.


Um país conflagrado e mergulhado numa crise que já desemprega mais de
14 milhões parece que tem como causa de seus problemas mais graves
algumas interdições de rua e meia dúzia de conflitos fabricados por
 grupos obscuros ou pela própria polícia. Esta exacerba a brutalidade e
avança com ganas sobre qualquer um, porque, como se viu no caso do
capitão covarde e recalcado, porque da mídia e dos governos jamais lhe
vêm nada sobre seus abusos que não sejam “sindicâncias” e “apurações com
rigor” que nunca dão em nada.


Greve geral mostrou vergonhoso

momento da mídia tradicional brasileira

Luís Costa Pinto, no Poder 360
A greve geral da última 6ª feira
(28.abr.2017), que paralisou parcela relevante e majoritária do país,
aprofundou também o fosso que aparta a mídia tradicional brasileira do
Brasil real. Veículos como a Rede Globo (TVs aberta e fechada, suas
rádios, jornais e sites), TV Bandeirantes e sua rádio, jornais O Estado
de S. Paulo, Correio Braziliense e muitos outros títulos regionais
parecem habitar um bloco de gelo que já se separou do continente e
navega num mar de rosas particular.
O bloco, transformado em iceberg,
assiste de longe ao derretimento continental. Mas seus arautos áulicos
preferem crer que o mar de rosas enxergado só por eles irá congelar e
reconstruir caminhos capazes de lhes conduzir de volta ao meio de onde
vieram, e onde haviam reinado. A Folha de S.Paulo, desesperada e na
dúvida, segura-se com uma mão na beira do abismo formado entre o iceberg
e a placa continental em chamas. Em razão disso, ainda é dentre eles o
único veículo capaz de relatar com alguma fidelidade o que se passa na
vida real.
No universo paralelo do iceberg que
está a vagar por águas incandescentes não houve greve geral –houve
“paralisações pontuais” e “protestos promovidos por centrais sindicais”.
O entardecer da 6ª feira, que levou às ruas das principais metrópoles
vigorosas manifestações de repúdio a uma agenda de reformas econômicas
que carece de chancela popular, posto não ter emergido das urnas, foi o
“encerramento com protestos de grupos violentos, entre eles black
blocks”.
Em seu desespero e confusão mental
produzida por quem parece estar mais atenta a ter tudo o que todos têm e
menos à qualidade do que publica, sem saber se é uma foca destinada a
se conservar placidamente na praia iceberguiana ou se é uma orca com
gana predatória por notícia, a Folha de S.Paulo produziu a pérola
destinada a sintetizar o vergonhoso momento da mídia tradicional
brasileira: ante sequência irrefutável de imagens que mostravam um
capitão da Polícia Militar de Goiás desferir violento golpe de cassetete
contra a cabeça do estudante Mateus Ferreira da Silva, durante os
protestos em Goiânia, descreveu o ato de violência desproporcional como
tendo sido praticado por “um homem trajado de policial militar”.
A atitude do jornal foi tão covarde
quanto a do capitão Augusto Sampaio de Oliveira Neto, subcomandante da
37ª Companhia da Polícia Militar de Goiás. Ele foi o agressor de Mateus,
usou de força tão desproporcional que o porrete quebrou na cabeça do
estudante. Mateus respira por aparelhos, corre risco de morte. O mau
jornalismo que produziu o relato parcial do crime quase consumado contra
o universitário goiano, contudo, é apenas a síntese parcial de um
conjunto patético de veículos de comunicação que já não sabem refletir
sobre o papel destinado a eles na sociedade. Dentre todos esses veículos
os casos mais abrasivos de divergência entre o fato e a versão são
protagonizados pelas TVs Globo e GloboNews e pela rádio CBN.
Na 5ª feira 27 de abril, como
relatado aqui e em diversos outros espaços destinados a tentar flagrar
uma crônica lógica do dia a dia político do Brasil, os veículos das
Organizações Globo esconderam a greve convocada para a 6ª feira. Quando a
greve eclodiu, com sucesso, na manhã do dia 28, os telejornais
vespertinos pareciam surpresos e tentavam bancar o papel de guardiães do
serviço público focando nos “transtornos” do movimento paredista à
população e tratando a greve como “protestos de centrais sindicais”. Em
momento algum houve foco naquilo em torno de que se protestava –as
reformas trabalhista e da Previdência que tramitam no Congresso
Nacional. Um mico.
Ao longo do dia, comentaristas
amestrados desses canais, que nasceram para funcionar como elos entre a
sociedade dispersa e as instituições do país e são concessão pública
(devendo, portanto, observar um compromisso mínimo com a tradução de
expectativas sociais e a mediação de conflitos de opinião),
esforçaram-se por tentar explicar o que para eles –e só para eles–
parecia inexplicável: por que existe quem seja contra reformas como
aquelas ora propostas? O esforço, como todo o resto, era parcial. Não
havia opiniões divergentes às deles sendo ouvidas e levadas em conta nos
programas levados ao ar.
Para alguns é cômico, motivo de piada
de mau gosto, flagrar a desfaçatez diária com a qual a notícia é
maltratada nesses veículos. Há sempre um viés político por trás daquilo
que se diz, ou daquilo sobre o que não se fala. Não é difícil perceber a
seletividade dos temas abordados, a escolha precisa de qual frase de
entrevistado encerra as passagens das “reportagens” –em geral, com a
missão precisa de reafirmar a tese dominante dos controladores de
opinião desses veículos. Mas é tudo muito trágico. Afinal, o
telespectador médio brasileiro, habitante de um país de iletrados reais
ou funcionais, só tem contato de fato com o cotidiano do Brasil por meio
de veículos audiovisuais. Produz-se, portanto, uma massa bovina que
segue o peão boiadeiro. As reses que ousam fugir do rebanho tornam-se,
por conseguinte, desqualificadas e imprestáveis. O berrante segue
guiando a massa para o matadouro, um ou outro mugido é ouvido, e aqueles
que saíram do caminho são apartados para virar boi de piranha nas
travessias mais arriscadas do charco.
As focas contemplativas que
lagarteiam na praia gelada do iceberg da mídia tradicional brasileira
falam apenas para dentro do universo paralelo em que vivem. Como o
continente está em chamas, a luta travada nesse momento só tem 2
resultados possíveis: ou o calor dos fatos, de um país que arde por
dentro, derrete o bloco à deriva no mar de rosas particular; ou o ar
gelado da redoma construída pelas focas às custas de muitos micos
arrefecerá as chamas e permitirá o reembarque deles num país só
existente em seus imaginários panglossianos.

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