segunda-feira, 1 de maio de 2017

Bom jornalismo também aderiu à greve

Bom jornalismo também aderiu à greve do dia 28, admite ombudsman da Folha | GGN



Jornal GGN - A cobertura que a grande mídia fez
sobre a greve geral do dia 28 de abril não fez jus aos fatos e tampouco
se prestou a aprofundar a discussão sobre a pauta dos trabalhadores que
paralisaram diversos setores da economia: as reformas do governo Temer
para a Previdência e legislação trabalhista.
 
Paula Cesarino Costa, ombudsman da Folha, publicou artigo
criticando a imprensa por não tem feito o mínimo que se espera do "bom
jornalismo": apontar o tamanho da greve e discutir os motivos que
levaram à adesão de 40 milhões de pessoas, segundo os organizadores.
 
Ao invés disso, a mídia se apegou a vandalismos pontuais e aos
problemas enfrentados por quem queria trabalhar. "Na sexta-feira, o bom
jornalismo aderiu à greve geral. Não compareceu para trabalhar", disse.
 
 
Por Paula Cesarino Costa
 
Na Folha
 
 
Assim como a de milhões de brasileiros, minha rotina diária foi
alterada pela greve geral da sexta-feira, 28. Lojas de que precisei
estavam fechadas; no supermercado, o gerente disse que apenas um terço
dos funcionários comparecera; a experiência nos aeroportos de amigos e
familiares que viajaram foi sofrida, apesar de a Folha ter dito que os
aeroportos funcionaram normalmente. Pode não ter sido um caos, mas
normal não foi.
 
De modo geral, esse foi o problema da cobertura da greve geral
convocada contra as reformas da Previdência e das leis trabalhistas.
Focou a alteração da rotina das cidades, de modo previsível, sem
inventividade nem relatos ricos.
 
Em suma, os jornais se concentraram no impacto sobre as árvores e
deixaram de abordar a situação da floresta. A velha imagem é eficiente
por condensar a mensagem de modo tão claro.
 
Um parágrafo do editorial da Folha trazia o resumo do que pretendo
dizer quando cobro abordagem mais ampla: "Em nenhum país do mundo,
propostas de redução de direitos relativos à aposentadoria contarão com
apoio popular. Governantes, em geral, só as apresentam quando as
finanças públicas já estão em trajetória insustentável. Este é, sem
dúvida, o caso do Brasil".
 
Essa é a visão da floresta que deveria ser discutida nos jornais. É
preciso acrescentar que a discussão sobre a reforma trabalhista é
também uma discussão sobre perda de direitos, contraposta à
possibilidade de dinamização e crescimento do mercado do trabalho
–promessa de comprovação difícil. Esses são os dois lados da moeda.
 
Pode-se até afirmar que essa discussão está presente no jornal. Não
com a clareza do dilema exposto pelo editorial da Folha: está em jogo a
perda de direitos em nome do ajuste fiscal. Jornais estrangeiros assim
enquadraram a manifestação. A imprensa brasileira abriu mão da discussão
sobre a floresta.
 
A greve geral convocada por centrais sindicais e movimentos de
esquerda mostrou que a mídia precisa se qualificar para esse tipo de
cobertura, complexa e de altíssimo interesse do público leitor.
 
Quase em uníssono, os três principais jornais destacaram nas
manchetes de suas edições impressas o efeito no transporte e a violência
com que terminaram manifestações em São Paulo e no Rio.
 
Será que o vandalismo em pontos isolados do Rio e de São Paulo era
notícia a destacar em enunciado de manchete, se a própria Folha escreveu
que a calmaria reinou durante quase todo o dia? Por que valorizar as
cenas de confronto, em vez de imagens que pudessem, por exemplo, mostrar
o que diziam as faixas levadas às manifestações.
 
A greve paralisou, segundo o noticiário da Folha, parcialmente as
atividades nas principais capitais do país e em ao menos 130 municípios,
em todos os Estados e no Distrito Federal. Os organizadores classificam
como a maior greve da história do país: cerca de 40 milhões paralisaram
suas atividades.
 
Não há reportagem ou quadro na edição que diga qual era exatamente o
objetivo da greve ou, se fosse o caso, a análise de seu impacto nos
objetivos do movimento.
 
Há dois pontos básicos a que o jornal, na minha avaliação deveria ter respondido:
 
Qual foi o tamanho da paralisação? Era preciso encontrar parâmetros
que permitissem ao leitor entender o que foi o movimento de agora em
comparação com convocações anteriores.
 
Quais as possíveis consequências da greve? Terá algum efeito em seu
objetivo principal de parar a tramitação das reformas trabalhista e da
Previdência, obrigando Executivo e Legislativo a negociar com a
sociedade e os sindicatos?
 
Eram desafios difíceis, mas a imprensa não conseguiu nem chegar perto de enfrentá-los.
 
À exceção dos colunistas André Singer e Demétrio Magnoli, não houve
tentativa de interpretação do que aconteceu. Cientistas políticos,
sociólogos e analistas não estão nas páginas da Folha ajudando a
entender o que aconteceu e o que pode vir a acontecer.
 
Deputados e senadores não se manifestaram de forma a sinalizar se o
protesto pode vir a ter algum efeito objetivo nos projetos em
discussão. Apenas o governo federal fala, expressando a óbvia e
obrigatória avaliação de que adesão foi pequena, fracassou.
 
Ainda há muito a aprender e a ser desenvolvido em cobertura de casos dessa magnitude.
 
Na sexta-feira, o bom jornalismo aderiu à greve geral. Não compareceu para trabalhar.

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