sexta-feira, 28 de abril de 2017

"Vagabundo" é quem distorce a história, não quem faz greve, diz Sakamoto | GGN

"Vagabundo" é quem distorce a história, não quem faz greve, diz Sakamoto | GGN



Por Leonardo Sakamoto


"Vagabundo" não é quem faz greve. É quem se nega a estudar história




Direitos que você tem hoje, como aposentadoria, férias, 13o salário,
limite de jornada de trabalho, descanso aos finais de semana, piso de
remuneração, proibição do trabalho infantil, licença maternidade não
foram concessões vindas do céu. Mas custaram o suor e o sangue de muita
gente através de diálogos e debates, demandas e reivindicações,
paralisações e greves, não só no Brasil, mas em todo o mundo.


É função de empregadores e políticos fazerem parecer que foram eles
que, generosamente, ofereceram direitos. E função da História contada
pelos vencedores registrar isso como fato inquestionável, retirando do
povo, a massa muitas vezes amorfa e sem rosto, o registro dessas
vitórias.


Desde que as Reformas da Previdência e Trabalhista foram
apresentadas, o governo federal teve que ceder em alguns pontos devido à
pressão social. Foram poucos, sem dúvida. Mas isso beneficiou desde o
trabalhador assalariado que vê a vida passar do sofá da sala, chamando
de ''comunistas'' todos que reclamam das reformas, até aqueles que
resolvem ir à luta. Sim, ironicamente muita gente se beneficia do
resultado obtido por aqueles que costumava xingar.


Não é de hoje que, na tentativa de menosprezar uma reivindicação
de trabalhadores, nega-se a eles exatamente essa identificação.
Afirma-se que quem entra em greve não é trabalhador porque, naquele
momento, não está trabalhando. Aplicando essa lógica absurda a outros
exemplos, quem viajar para fora do Brasil deixaria de ser brasileiro.


Ou seja, nessa lógica, o trabalhador só merece ser tratado como
produtivo à sociedade se estiver sempre trabalhando. Caso exerça seu
direito, previsto na Constituição, de parar para protestar, torna-se o
oposto – que, numa concepção distorcida significa preguiça e indolência.


É paradigmático, portanto, que o prefeito de São Paulo, João Doria,
tenha chamado grevistas de ''vagabundos''na manhã desta sexta (28). Ele,
que defende as Reformas da Previdência e Trabalhista, tem criticado
duramente o movimento. Afirmou que, “neste confronto, só a população que
trabalha, que é honesta, é quem perde''.


Ele tem todo o direito a ter sua opinião e a expressa-la quando
quiser. Mas também temos a liberdade de lembrar que, durante muito
tempo, a polícia exigiu a carteira de trabalho para definir se alguém
era ''uma pessoa de bem'' por aqui. A caracterização como ''vagabundos''
daqueles que resolvem cruzar os braços e protestar por direitos não é
nova e nem foi inventada por políticos brasileiros.


Quem visita a cidade de Chicago, nos Estados Unidos, encontra uma
frase gravada em um monumento: ''Chegará o dia em que o nosso silêncio
será mais poderoso do que as vozes que vocês estrangularam hoje''. Ele
foi erguido em memória de uma greve que começou no dia Primeiro de Maio
de 1886, exigindo a redução da jornada de trabalho para oito horas por
dia, tocada por trabalhadores que foram chamados de vagabundos.
Resultado: a polícia abriu fogo contra a multidão, mas a data foi
escolhida para ser um dia de luta em todo o mundo por condições
melhores de vida. Menos nos Estados Unidos, em que o Labor Day é na
primeira segunda de setembro.


Só o trabalho gera riqueza. E o silêncio de trabalhadores, que se
reconhecem como tais, percebem a injustiça que, muitas vezes, recai
sobre eles e resolvem cruzar os braços, não apenas aumentou salários ou
criou aposentadorias, mas já ajudou a derrubar regimes, a democratizar
países, a mudar o rumo da história.


Mahatma Gandhi pediu para que trabalhadores cruzassem os braços e
entrassem em greve, não por melhores salários, mas pela independência da
Índia junto ao Reino Unido. Martin Luther King fez o mesmo pelo
direitos civis de mulheres e homens negros diante do racismo
institucionalizado nos EUA. É dele a frase: ''a greve, no fundo, é a
linguagem dos que não são ouvidos''.


Nelson Mandela foi chamado de vagabundo por querer que a África do
Sul parasse contra o apartheid. A paralisação das operárias russas
contra a fome e contra a participação do país na Primeira Guerra
precipitou os acontecimentos que desencadearam a queda do regime
imperial em 1917. Esse povo não protestou apenas em finais de semana e
feriados, ou seja, em seu ''tempo livre''.


Quero comparar essas figuras citadas com nossos líderes nacionais?
Nunca, seria um crime histórico. O que discute-se aqui é até que ponto
somos capazes de furar a programação que nos foi incutida, de
criminalizar quem cruza os braços. Você pode discordar da greve. Mas não
julgue alguém que concorda sem subsídios para tanto. Manifestações que
questionam a desigualdade e a injustiça social, mais do que a política
em si, tendem a ser reprimidas pela força pública. São vistas
como subversivas. As ''ordeiras'', que não mexem com a estrutura
econômica e social do país, não. Têm direito até a catracas de metrô
liberadas.


Tudo isso acaba por criar uma ''nova língua''. Paulo Mathias,
prefeito regional de Pinheiros, município de São Paulo, gravou um vídeo
mostrando que trabalhadores iriam dormir nas dependências do prédio para
trabalharem nesta sexta de greve geral. Nele, diante de trabalhadores
visivelmente constrangidos, afirmou: ''Sou a favor do direito à greve,
mas não em dia de trabalho.'' Foi parabenizado pelo chefe. O que ele
disse é equivalente a pedir X-burguer sem queijo ou um
cachorro-quente sem salsicha.


Temos diversas formas de silêncio. O poder não está no silêncio das
bocas fechadas que aceitam as coisas como elas são porque acreditam que
nada pode mudar e que ficam felizes se ganharam uma TV do sindicato
pelego no feriado. Mas dos braços parados que se negam a produzir
riqueza sem que um diálogo aberto e franco com os empregadores seja
estabelecido. Trabalhadores são fortes. Pena que se esquecem disso.

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