domingo, 16 de abril de 2017

Se é para mudar

Se é para mudar - 16/04/2017 - Janio de Freitas - Colunistas - Folha de S.Paulo



Se é para mudar






Atribuir à reforma do sistema político a maneira de acabar com a alta
corrupção é vender ou comprar ilusão. Mudar as regras da política é uma
necessidade, mas por outro motivo: porque essas regras são ruins. Não
proporcionam representatividade ao eleitorado de mais de 100 milhões de
votantes, fazem o Congresso e os partidos ter um custo alucinante e, sem
obrigação alguma dos congressistas, tornarem-se mais perniciosas do que
úteis ao país.





Com todos os seus defeitos e a qualidade solitária de darem aparência
democrática ao regime, ainda assim não são as regras políticas que
explicam a corrupção desvairada, por exemplo, de um Sérgio Cabral Filho.
Fossem outras, já fossem as regras a virem como alegada purificação,
Cabral poderia fazer o mesmo que fez como deputado e como governador. As
acusações a Eduardo Cunha, por sua vez, incluem altos montantes ligados
a operações não pendentes do sistema político.





Em nosso tempo, e com regras políticas diferentes das atuais, a
corrupção lavrou como fogo nas favelas paulistanas –sem que algum poder
administrativo ou judicial se importe com a repetição recordista dessas
desgraças a mais no que já é desgraça.





Como ressaltou o próprio Emílio Odebrecht, "há 30 anos" as empreiteiras
colhidas na Lava Jato já usavam, em menor escala, os mesmos métodos
agora expostos nas delações de seus enriquecidos dirigentes. Àquela
altura, assumiam o lugar de outras com iguais métodos na ditadura, na
orgia da construção de Brasília e das hidrelétricas, nas obras públicas
em geral.





Empresas aos poucos desaparecidas só por má administração, nunca por
imposição da moralidade administrativa e judicial. Há mais de meio
século, a crítica eleitoral à alta corrupção já era determinante na
campanha vitoriosa de Jânio Quadros para a Presidência.





A corrupção veio crescendo na mesma medida e ao mesmo ritmo em que
cresceu a valorização das posses pessoais, da exibição de status
material, do hedonismo: uma era brasileira em que ter dinheiro, seja
como for, é ser vitorioso. É até ser respeitado.





As suspeitas e as certezas sobre a procedência dos rápidos e
inexplicados enriquecimentos ficaram condenadas ao nível das fofocas.
Nesse panorama, por ora a Lava Jato não pode ser considerada senão como
um acidente. O estouro de um esgoto na mansão da classe dominante.





Mudar as regras da política é necessidade premente, mas com a plena
noção de que é mudar o continente e não o conteúdo. A corrupção é feita
por homens, não pelas regras da política. É apenas ilusão de uns e
ilusionismo de outros o poder moralizador das regras.





A possibilidade real de mudança está em mudar costumes. E alcançá-la
depende de fatores que exigiriam ocorrências difíceis no Brasil. Não há
muito o que esperar sem boa legislação punitiva, sistema judiciário
eficiente, visibilidade verdadeira das transações governamentais, meios
de comunicação mais a serviço da população e do país do que à classe
social de seus dirigentes, com mais auxílios à consciência política e
eleitoral dos cidadãos –enfim, um conjunto de mudanças a exigirem
esforço e civismo de que a classe dominante brasileira nunca mostrou ser
capaz.

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