sábado, 15 de abril de 2017

Quando Lula será preso?, por Nelson Jobim | GGN

Quando Lula será preso?, por Nelson Jobim | GGN



Crônica de Ruy Barbosa sobre a sentença de Jesus Cristo.
Publicado por Roberto Parentoni e Advogados


“No julgamento instituído contra Jesus, desde a prisão, uma hora
talvez antes da meia-noite de quinta feira, tudo quanto se fez até ao
primeiro alvorecer da sexta-feira subseqüente, foi tumultuário,
extrajudicial, e atentatório dos preceitos hebraicos. A terceira fase, a
inquirição perante o sinedrim, foi o primeiro simulacro de forma
judicial, o primeiro ato judicatório, que apresentou alguma aparência de
legalidade, porque ao menos se praticou de dia.
Desde então, por um
exemplo que desafia a eternidade, recebeu a maior das consagrações o
dogma jurídico, tão facilmente violado pelos despotismos, que faz da
santidade das formas a garantia essencial da santidade do direito.
O
próprio Cristo delas não quis prescindir. Sem autoridade judicial o
interroga Annás, transgredindo as regras assim na competência, como na
maneira de inquirir; e a resignação de Jesus ao martírio não se resigna a
justificar-se fora da lei: “Tenho falado publicamente ao mundo. Sempre
ensinei na sinagoga e no templo, a que afluem todos os judeus, e nunca
disse nada às ocultas.
Por que me interrogas? Inquire dos que ouviam o
que lhes falei: esses sabem o que eu lhes houver dito”. Era o apelo às
instituições hebraicas, que não admitiam tribunais singulares, nem
testemunhas singulares. O acusado tinha jus ao julgamento coletivo, e
sem pluralidade nos depoimentos criminadores, não podia haver
condenação. O apostolado de Jesus era ao povo. Se a sua prédica incorria
em crime, deviam pulular os testemunhos diretos. Esse era o terreno
jurídico. Mas, porque o filho de Deus chamou a eles os seus juízes, logo
o esbofetearam. Era insolência responder assim ao pontífice. Sic
respondes pontifici? Sim, revidou Cristo, firmando-se no ponto de vista
legal; “se mal falei, traze o testemunho do mal; se bem, por que me
bates?
Annás, desorientado, remete o preso a Caifás. Este era o sumo
sacerdote do ano. Mas, ainda assim, não tinha a jurisdição, que era
privativa do conselho supremo. Perante este, já muito antes descobrira o
genro de Annás a sua perversidade política, aconselhando a morte de
Jesus, para salvar a nação. Cabe-lhe agora levar a sua própria
malignidade, “cujo resultado foi à perdição do povo, que ele figurava
pensou”.
A ilegalidade do julgamento noturno, que o direito judaico
não admitia nem nos litígios civis, agrava-se então com o escândalo das
testemunhas faltas, aliciadas pelo próprio juiz, que, na jurisprudência
daquele povo, era especialmente instituído como o primeiro protetor do
réu. Mas, por mais falsos testemunhos que promovessem lhes não acharam a
culpa que buscavam. Jesus calava Jesus autem tacebat. Vão perder os
juízes prevaricadores a segunda partida, quando a astúcia do sumo
sacerdote lhes sugere o meio de abrir os lábios divinos do acusado.
Adjura-o Caifás, em nome de Deus vivo, a cuja invocação o filho não
podia resistir. E diante da verdade, provocada, intimada, obrigada a se
confessar, aquele que a não renegara vê-se declarar culpado de crime
capital: Reus est mortis. “Blasfemou! Que necessidade temos mais de
testemunhas? Ouvistes a blasfêmia”. Ao que clamaram os circunstantes: “É
réu de morte”.
Repontava a manhã, quando à sua primeira claridade se
congrega o sinedrim. Era o plenário que se ia celebrar. Reunira-se o
conselho inteiro. In universo concilio, diz Marcos. Deste modo se dava a
primeira satisfação às garantias judiciais. Com o raiar do dia se
observava a condição da publicidade. Com a deliberação da assembléia
judicial, o requisito da competência. Era essa a ocasião jurídica. Esses
eram os juízes legais. Mas juízes, que tinham comprado testemunhas
contra o réu, não podiam representar senão uma infame hipocrisia da
justiça. Estavam mancomunados para condenar, deixando ao mundo o
exemplo, tantas vezes depois imitado até hoje, desses tribunais que se
conchavam de vésperas nas trevas, para simular mais tarde, na assentada
pública, a figura oficial do julgamento.
Saía Cristo, pois,
naturalmente condenado pela terceira vez. Mas o sinedrim não tinha o jus
sanguinis, não podia pronunciar a pena de morte. Era uma espécie de
júri, cujo veredictum, porém, antes opinião jurídica do que julgado, não
obrigava os juízes romanos. Pilatos estava, portanto, de mãos livre,
para condenar ou absolver. “Que acusação trazeis contra esse homem?”.
Assim fala por sua boca a justiça do povo, cuja sabedoria jurídica ainda
hoje rege a terra civilizada. “Se não fosse um malfeitor, não t’o
teríamos trazido”, foi à insolente resposta dos algozes togados.
Pilatos, não querendo ser executor num processo de que não conhecera,
pretende evitar a dificuldade, entregando-lhes a vítima: “Tomai-o,
julgai-o segundo a vossa lei”. Mas, replicam os judeus, bem sabes que
“não nos é lícito dar a morte a ninguém”. O fim é a morte, e sem a morte
não se contenta a depravada justiça dos perseguidores.
Aqui já o
libelo se trocou. Não é mais de blasfêmia contra a lei sagrada que se
trata, sendo de atentado contra a lei política. Jesus já não é o
impostor que se inculca filho de Deus; é o conspirador, que se coroa rei
da Judéia. A resposta de Cristo frustra, ainda uma vez, porém, a manha
dos caluniadores. Seu reino não era deste mundo. Não ameaçava, pois, a
segurança das instituições nacionais, nem a estabilidade da conquista
romana. “Ao mundo vim”, diz ele, “para dar testemunho da verdade. Todo
aquele que for da verdade há de escutar a minha voz”. A verdade? “que é a
verdade?” pergunta, definindo-se, o cinismo de Pilatos. Não cria na
verdade; mas a da inocência de Cristo penetrava irresistivelmente até o
fundo sinistro dessas almas, onde reina o poder absoluto das trevas.
“Não acho delito a este homem”, disse o procurador romano, saindo outra
vez ao meio dos judeus.
Devia estar salvo o inocente. Não estava. A
opinião pública faz questão de sua vítima. Jesus tinha agitado o povo,
não ali só, no território de Pilatos, mas desde a Galiléia. Ora,
acontecia achar-se presente em Jerusalém o tetraca da Galiléis, Herodes
Antipas, com quem estava de relações cortadas o governador da Judéia.
Excelente ocasião, para Pilatos, de lhe reaver a amizade, pondo-se, ao
mesmo tempo, de boa avença com a multidão inflada pelos príncipes dos
sacerdotes. Galiléia era o fórum originis do Nazareno. Pilatos envia o
réu a Herodes, lisongeando-lhe com essa homenagem à vaidade. Desde
aquele dia um e outro se fizeram amigos, de inimigos que eram. Et facti
sunt amici Herodes et Pilatos in ipsa die; nam antea inimici erant ad
invencem. Assim se reconciliavam os tiranos sobre os despojos da
justiça.
Mas, Herodes também não encontra por onde condenar a Jesus, e
o mártir volta sem sentença de Herodes a Pilatos, que reitera ao povo o
testemunho da intemerata pureza do justo. Era a terceira vez que a
magistratura romana a proclamava. Nullum causam invenio in homine ipso
ex his, in quibus eum accusatis. O clamor da turba recrudesce. Mas
Pilatos não se desdiz. De sua boca irrompe a quarta defesa de Jesus:
“Que mal fez ele? Quid enim mali fecit iste? Fsdfsd Cresce o conflito,
acastelam-se as ondas populares. Então o procônsul lhes pergunta ainda:
“Crucificareis o vosso rei?” A resposta da multidão em grita foi o raio,
que desarmou as evasivas de Pilatos: “Não conhecemos outro rei, senão
César”. A esta palavra, o espectro de Tibério se ergueu no fundo da alma
do governador da província romana. O monstro de Caprea, traído,
consumido pela febre, crivado de úlceras, gafado de lepra, entretinha em
atrocidades os seus últimos dias. Traí-lo era perder-se. Incorrer
perante ele na simples suspeita de infidelidade era morrer. O escravo de
César, apavorado, cedeu, lavando as mãos em presença do povo:? “Sou
inocente do sangue deste justo”.
E entregou-o aos crucificadores. Eis
como procede a justiça, que se não compromete. A história premiou
dignamente esse modelo de suprema covardia na justiça. Foi justamente
sobre a cabeça do pusilânime que recaiu antes de tudo em perpétua
infâmia o sangue do justo.
De Annás a Herodes o julgamento de Cristo é
o espelho de todas as deserções da justiça, corrompida pelas facções,
pelos demagogos e pelos governos. A sua fraqueza, a sua inconsciência, a
sua perversão moral crucificaram o Salvador, e continuam a
crucificá-lo, ainda hoje, nos impérios e nas repúblicas, de cada vez que
um tribunal sofisma, tergiversa, recua, abdica. Foi como agitador do
povo e subversor das instituições que se imolou Jesus. E, de cada vez
que há precisão de sacrificar um amigo do direito, um advogado da
verdade, um protetor dos indefesos, um apóstolo de idéias generosas, um
confessor da lei, um educador do povo, é esse, a ordem pública, o
pretexto, que renasce, para exculpar as transações dos juízes tíbios com
os interesses do poder. Todos esses acreditam, como Pôncio, salvar-se,
lavando as mãos do sangue que vão derramar, do atentado que vão cometer.
Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência,
espírito conservador, interpretação restritiva, razão de Estado,
interesse supremo, como quer que te chames, prevaricação judiciária, não
escaparás ao ferrete de Pilatos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há
salvação para o juiz covarde”.

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