sábado, 22 de abril de 2017

O fetiche da moeda na aldeia global

Fora de Pauta | GGN



O fetiche da moeda na aldeia global

Certo
dia, numa terra verde e amarela, uma empresa de mídia reuniu notáveis
economistas para refletir sobre a vida em sociedade num regime de
economia mercantil.


Como não podia ser diferente, o encontro foi aberto pelo anfitrião,
fazendo uso da palavra. E, ciente de seu poder, foi econômico com elas.


- Somos ricos, porque temos muuuuito dinheiro.


- Ohhh!


Todos se admiraram. Não se sabe se com as sábias palavras ou a
quantidade de dinheiro. Muuuuito. O fato é que o recado estava dado.
Apesar do nome pomposo, o objetivo do encontro era fazer a bilionária
família ficar ainda mais rica, no menor tempo possível. Afinal, rico tem
pressa. Ou, na língua materna de alguns economistas, time is money.


Imbuído desse espírito cívico um dos PhDs presentes pediu a palavra e
iniciou uma profunda reflexão lógico-científica. Partindo,
evidentemente, da premissa do organizador do evento.


E foi direto ao ponto.


 - Riqueza é medida em moeda corrente.


- Ohhh!


Todos mais uma vez se admiraram. Na verdade, estavam em êxtase diante de tanta riqueza.


Aproveitando esse estupor momentâneo o doutor em economia ponderou.


- Não se assustem. Iniciarei uma dedução deveras abstrata, mas, ao final, todos entenderão perfeitamente a mensagem.


E assim prosseguiu.


- Quanto menor a demanda, menor a produção.


- Quanto menor a produção, menor a pressão sobre o mercado de trabalho.


Nesse momento, pensou em dizer “maior desemprego”, ou talvez, “menor
nível de emprego”. Mas achou que não cairia bem nos ouvidos de tão
seleta plateia, e seguiu em frente.


- Quanto menor a pressão sobre o mercado de trabalho, menor o custo da mão de obra.


Novamente, passou pela sua cabeça a ideia: “maior arrocho salarial”.
Mas, imediatamente descartou-a de sua cachola. Um palavrão desses seria
um disparate, refletiu.


Superada outra crise de consciência crítica, prosseguiu. Desta vez, mais confiante.


- Quanto menor o custo do trabalho, menor a pressão sobre os preços e, consequentemente, menos inflação.


- Menos inflação, ao longo do tempo, implica em maior o poder de compra da moeda.


- E, quanto maior o poder de compra da moeda...


Nesse instante, quase não conseguia conter seu entusiasmo.
Imaginava-se partícipe daquela seleta corte de comentaristas econômicos,
arautos da mais rica e poderosa família verde e amarela. E assim,
deveras entusiasmado, concluiu.


- Quanto maior o poder de compra da moeda, maior a riqueza!


- Logo, ...


Agora estava nas nuvens. No Olimpo. Sentia-se um Kant tropical. E com esse espírito sentenciou.


- Quanto menor a demanda maior a riqueza.


A plateia o aplaudia de pé. Entusiasticamente.


Num último suspiro crítico ainda pensou em adjetivar a riqueza como
monetária (sem lastro em ouro e numa máquina de guerra). Mas logo
percebeu que não era hora de se preocupar com detalhes. As favas com
os... Pensou, ao lembrar-se de um nobre intelectual daquela amada aldeia
global.


Por fim, encarnando agora a rebeldia de um Nietzsche, ergueu os
braços e pediu um minuto da atenção de todos para suas considerações
finais.


- O deus mercado está morto. Sucumbiu nas putrefatas relações de
trocas entre suados e gananciosos produtores e consumidores de bens e
serviços. De seu estertor nascerá uma nova era. A era da moeda. Uma
riqueza que se multiplica interruptamente à medida que evita as
depreciativas relações mercantis de produção e consumo de bens e
serviços.


Findada essas palavras ele puxou uma corda que segurava um pano cobrindo um quadro.


Nele, podia se ler:


Menos produção e consumo (sustentável ou não), mais riqueza!


A moeda incólume, triunfará num processo de valorização infinita.


Pra frente Brasil!!! Viva o Partido Novo.


As duas últimas frases não estavam no quadro, mas na mente do economista e dos presentes daquele iluminado encontro.


Ao fundo, o anfitrião sorria discretamente de tudo que ouvira.


Ah, esses meus economistas, sic, valem ouro. Pensava satisfeito.

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