domingo, 26 de março de 2017

Terceirização: a volta triunfal dos mercadores de escravos



 blog Socialista Morena


Cynara Menezes

Terceirização: a volta triunfal dos mercadores de escravos

mercadores
(“Quanto custa este?” Mercado de escravos no Rio de Janeiro em 1824. Gravura de Edward Francis Finden)
Aprovado pela Câmara por 231 votos a favor, 188 contra e 8
abstenções, o projeto que libera a terceirização em todos os setores da
economia vai ressuscitar, na prática, a figura dos mercadores de
escravos que existiam no Brasil até a abolição da escravatura. O que é
uma empresa terceirizadora senão uma versão contemporânea dos
comerciantes que viviam da venda de escravos? A diferença é que existe
salário –se é que se pode chamar assim um pagamento até 30% menor do que
recebem os trabalhadores contratados diretamente.


Como os comerciantes de escravos do Brasil colonial, a chamada
“prestadora de serviços” é uma empresa que não produz nada, nem uma só
agulha. Muito menos riqueza para o país. Seu único papel na sociedade é
fornecer seres humanos a outras empresas, nas piores condições
trabalhistas possíveis. Nas mãos delas, o trabalhador não é nada além de
uma mercadoria.


Pode-se dizer, inclusive, que as primeiras empresas de
“terceirização” surgiram no século 18, quando donos de escravos alugavam
algumas de suas “peças” a terceiros, como aconteceu durante a
construção da Anglo-Brazilian Gold Mining Company, Limited (ABGM)
em Mariana, Minas Gerais. Nos contratos eram colocadas garantias para o
contratante e para a contratada, mas nenhuma, é claro, para o escravo,
que podia, exatamente como hoje, ser sublocado a outro senhor.


Assim como as empresas terceirizadoras da atualidade, a “atividade”
de venda de escravos tinha custo baixíssimo e gerava um lucro
exorbitante, o que permitiu aos negociantes acumular grandes riquezas.
Sete das maiores fortunas do Rio de Janeiro no século 18 eram de
negociantes de escravos, com grande poder de pressão sobre o parlamento.
Alguém lembrou do Congresso Nacional de 2017? Em vez de execrados, os
maiores negociantes de escravos de Minas Gerais dão nomes a praças e
ruas no Estado.


Segundo o Ministério Público do Trabalho, os mercadores de gente que prestam serviços aos órgãos públicos lideram as fraudes contra o FGTS:
recebem os 8% referentes ao fundo de garantia, mas não repassam aos
trabalhadores, comportando-se como gigolôs dos funcionários que
contratam, ao subtrair-lhes parte dos seus ganhos.


Os negociantes de escravos do mundo moderno estão autorizados até
mesmo a subcontratar outros mercadores para que lhes forneçam serviçais,
num artifício chamado de “quarteirização”. Será possível, assim, ter
uma fábrica de carretéis que não possui nenhum operário, e sim
funcionários contratados a uma empresa que tampouco os possui, mas
contrata de outra. O segundo mercador não tem nenhuma função nesta
cadeia a não ser atuar como um traficante de trabalhadores para a
fábrica, sem qualquer obrigação para com eles.


escravospe
(“Quero este, este e este”. Mercado de escravos em Pernambuco em 1824. Gravura de Edward Francis Finden)
O mais absurdo: a “nova” legislação permite que o mesmo grupo
econômico possua outra empresa com a finalidade de fornecer empregados
terceirizados a ela. É como se o senhor de engenho se tornasse sócio do
negociante que lhe fornece os escravos, mas o fazendeiro não precisa se
responsabilizar por eles, fornecendo roupas, teto ou alimentação. Uma joint venture digna do Brasil colônia.


A aprovação da terceirização também impulsionará ainda mais a chamada
“pejotização”, bem comum nas empresas jornalísticas, que sempre se
esmeraram em esquivar-se de pagar direitos a seus empregados. Funciona
assim: o trabalhador abre uma empresa e sua empresa faz um contrato com a
empregadora em questão. Como é prestador de serviços, não terá direito a
férias, 13º salário e FGTS. Quando for colocado no olho da rua, não
importa quanto tempo tenha passado ali, sairá com uma mão na frente e a
outra atrás.


Se o trabalhador adoecer, sua situação é na verdade pior do que a de
um escravo: enquanto o escravo doente era mantido pelos senhores de
engenho, os funcionários contratados como “pejotas” que contraírem
alguma enfermidade podem simplesmente ser demitidos sem receber nada.
Inimigos dos trabalhadores, os deputados tornaram facultativa a extensão
aos terceirizados do atendimento médico e ambulatorial destinado aos
empregados da contratante.


Os que dizem que as terceirizadoras pagam direitos trabalhistas e
seguem a CLT como quaisquer outras empresas mentem para você. As
mercadoras de escravos do século 21 utilizam uma série de truques para
impedir que os funcionários tirem férias, por exemplo. Um dos mais
conhecidos no mercado é a contratante substituir uma terceirizada por
outra; com isso, os empregados têm de ser recontratados e adeus, férias.
Há casos de trabalhadores terceirizados sem sair de férias há mais de
cinco anos por conta desta artimanha.


Estas empresas também são especialistas no chamado “dumping social”,
que consiste na redução de direitos trabalhistas para maximizar o
lucro. Empresas que prestam serviços na área de telefonia e energia
elétrica, por exemplo, já foram condenadas por deixar de pagar adicional
de periculosidade, adicional noturno e as horas extras, o que afeta o
cálculo da quantia que o trabalhador recebe nas férias, 13º e na
rescisão.


A próxima etapa é extinguir a Justiça do Trabalho
para impedir que os escravos, ops, funcionários terceirizados possam
reclamar seus direitos. O mais irônico desta história toda é que o
slogan do governo que está fazendo nosso país voltar para o século 18 é
“ponte para o futuro”.

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