domingo, 15 de janeiro de 2017

″Brasil encarcera pessoas como animais selvagens″

″Brasil encarcera pessoas como animais selvagens″ | Brasil | DW.COM | 12.01.2017



"Brasil encarcera pessoas como animais selvagens"

Especialista alemão defende aumento das penas
alternativas e afirma que viés punitivo do Judiciário brasileiro acaba
fortalecendo a subcultura criminosa nas prisões, num sistema que se
retroalimenta.



O especialista alemão em assuntos carcerários Jörg Stippel afirma que
o sistema judicial e carcerário brasileiro é muito mais punitivo do que
o da Alemanha, e que tal política acaba tendo um efeito de
retroalimentação, aumentando a criminalidade e a possibilidade de
massacres como o que ocorreram em prisões da região Norte do Brasil, que
deixaram mais de 90 mortos.



"[No Brasil] tudo parece desenhado
para isolar as pessoas como se elas fossem animais selvagens", afirma,
em entrevista à DW. Ele também critica a privatização de prisões e
afirma que a opinião pública precisa ser convencida de que o "populismo
punitivo" não é eficiente no combate à criminalidade.

Doutor em
direito pela Universidade de Bremen e ex-membro da agência alemã de
cooperação internacional GIZ, Stippel assessorou governos de países como
Chile, Libéria, Bolívia e Equador no aprimoramento dos seus sistemas
prisional e judiciário. É autor do livro "Prisão, direito e política".
Atualmente é professor de direito penitenciário na Universidade Central
do Chile.

DW Brasil: O que os recentes massacres em prisões no Brasil dizem sobre o sistema carcerário do país?

Jörg Stippel:
Mostram uma total falta de controle estatal. A superlotação do sistema
chega a 160%. Também mostra que a Justiça brasileira só sabe apostar em
mais encarceramento como política. A taxa de aprisionamento no país é de
300 pessoas por 100 mil habitantes. E isso só vem aumentando. Na
Alemanha é de apenas 76 por 100 mil. Os brasileiros recorrerem ao
encarceramento quatro vezes mais que os alemães, e o problema da
criminalidade só piora.

A prisão do Amazonas que
registrou 56 mortes era administrada pela iniciativa privada. O massacre
imediatamente gerou críticas sobre a privatização de prisões. Qual é
sua posição sobre o tema?


Fazer da reclusão um negócio
não é a solução. As empresas que acabam administrando as prisões acabam
sendo dominadas pela lógica de cortar custos, de lucrar mais. Elas então
acabam deteriorando a qualidade dos serviços. E também há o lado
perverso da privatização que acaba provocando mais encarceramento. Veja
os EUA. Nos anos 80 o país privatizou presídios, e a taxa de
encarceramento explodiu.

Como as autoridades podem combater as facções que dominam as prisões e tomar de fato o controle sobre o sistema carcerário?

Veja
o caso da Alemanha, onde 80% das sentenças não implicam em perda de
liberdade. Isso já evita jogar uma quantidade imensa de pessoas em um
ambiente com uma subcultura criminosa própria, que vai endurecer ainda
mais esses condenados. É preciso aumentar a aplicação de penas
alternativas. Jogar mais pessoas no sistema fortalece as facções, que
muitas vezes nasceram dentro das próprias prisões.

Legalmente, a
meta das prisões deveria ser a ressocialização. Na Alemanha pelo menos é
assim. Na América Latina a meta é apenas punir. No Brasil há uma
crítica constante aos indultos (permissão para que os presos passem
alguns dias fora da prisão), mas na Alemanha eles são um instrumento
extremamente disseminado. Os presídios brasileiros também não oferecem
trabalho e educação em quantidade suficiente. O ócio fortalece a
subcultura criminosa.

O governo anunciou a construção de novas a prisões para resolver os problemas no sistema carcerários. 

Isso
não é uma solução. Se a mesma mentalidade de encarceramento em massa
prevalecer, as novas prisões também vão lotar rapidamente. Estão
aprisionando muita gente, e não estão aplicando penas alternativas. Na
Alemanha há mecanismos disseminados como a aplicação de multas ou, no
caso de a pessoa não ter dinheiro, essas multas são convertidas em
trabalho. No Brasil o sistema é muito mais punitivo do que na Alemanha e
tem o encarceramento como prioridade. E os resultados não poderiam ser
mais diferentes do que se vê na Alemanha.

Parte da
população brasileira ignorou ou até mesmo celebrou a morte de criminosos
em prisões no norte do Brasil, seguindo a opinião de que "bandido bom é
bandido morto". Como o senhor encara essa posição?


É o
populismo punitivo. É preciso criar uma opinião pública que entenda que
ser mais duro não é eficiente. Na Alemanha já se entendeu que soluções
mais drásticas não são uma forma de ressocializar os presos. Só ver o
caso de Roland Koch (ex-governador do Estado de Hesse que abandonou a
política em 2010). Ele perdeu apoio ao falar no combate ao crime com
medidas drásticas.

A natureza do regime carcerário e a organização desse sistema têm influência na criminalidade de um país?

É
uma coisa que se retroalimenta. Encarcerar tanta gente em condições
deploráveis acaba aumentando a criminalidade. Um sistema judiciário sem
um leque de alternativas penais que não o encarceramento acaba gerando
mais criminosos. Também é preciso ver como são as prisões brasileiras.
Na Alemanha, 30% delas são "abertas", com segurança mínima, com menos
guardas e muitas vezes sem muros. E funciona.

No Brasil, o
problema já começa quando a prisão é projetada. A estética dos
corredores, as próprias celas. Tudo parece desenhado para isolar as
pessoas como se elas fossem animais selvagens e lembrá-las
constantemente disso. Até mesmo o tipo de estética de uma prisão diz que
tipo de presos estão sendo criados ali. A União Europeia, por exemplo,
impõe uma série de princípios para as prisões dos seus estados-membros.
As condições são bastante similares com o que se tem na vida exterior.
Isso é importante para ressocializar e combater a subcultura criminosa
nas cadeias.

O que pode ser feito para melhorar a situação do sistema carcerário brasileiro?

Destaco
três medidas. A primeira é diminuir a entrada de pequenos delinquentes
no sistema, aumentando o leque de penas alternativas. A segunda é
oferecer mais opções de trabalho e estudo dentro das prisões – e baixar
progressivamente a pena de quem trabalhar e estudar. A terceira é
aumentar os incentivos para ressocialização, como os indultos antes da
liberdade condicional.

Que outras lições o sistema carcerário alemão pode dar ao Brasil?

A
Alemanha aposta muita mais na ressocialização do que o Brasil. As
condições das prisões são mais parecidas com o mundo exterior. É uma
forma de combater a subcultura criminosa. Falam que as prisões alemãs
parecem hostéis, mas ainda são prisões. Mas lá os presos têm
privacidade, tem seu próprio chuveiro, mantém sua individualidade. Eles
não usam uniforme e podem vestir suas próprias roupas. Eles também têm
muitas opções de trabalho w estudo. Isso também cria um ambiente de
trabalho melhor para os agentes penitenciários.

Uma das
principais medidas é o planejamento individual da execução penal. Não
existe uma fórmula para todos os presos. A administração conversa com
eles, vê quais são as suas particularidades e com base nisso planeja
como vai ser seu período na prisão. Não há nada disso no Brasil, onde
quase não existe estrutura de defensoria pública para os presos ou uma
forma de acompanhar a execução de penas.

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