domingo, 31 de janeiro de 2016

Os sítios de Lula, Figueiredo e Fernando Henrique, por Janio de Freitas | GGN

Os sítios de Lula, Figueiredo e Fernando Henrique, por Janio de Freitas | GGN

 Folha de S.Paulo

Por Janio de Freitas

Uma visita ao sítio


A
renovada notícia sobre obras em um sítio que a família de Lula
frequentaria, na paulista Atibaia, dá oportunidade à recuperação de dois
casos reais da afinidade rural comum a presidentes e empreiteiros.
Embora um caso se passasse na ditadura e outro na democracia, a
discrição que os protegeu teve a mesma espessura.

A ótima
localização de um sítio em Nogueira, seguimento de Petrópolis, não
chegava a compensar o aspecto simplório dada à área, nem a precariedade
da casa. Em poucos meses, porém, acabou o desagrado do
general-presidente com as condições locais. O terreno foi reurbanizado, a
casa passou a ser um moderno bangalô de lazer. Surgiram piscina, uma
pista de hipismo, estrebaria, estacionamento e um jardim como as flores
gostam. Uma doação da empreiteira Andrade Gutierrez ao general
Figueiredo, então na Presidência.

Em poucos anos de novo regime, a
Andrade Gutierrez podia provar que sua generosidade não padecia de
pesares nostálgicos. Proporcionou até uma estrada decente para a fazenda
em Buritis, divisa de Goiás e Minas, que o já presidente Fernando
Henrique e seu ministro das Comunicações e sócio Sérgio Motta compraram
em operação bastante original. Como a democracia tem inconvenientes,
dessa vez a estrada foi guarnecida de um pretexto: era só dizer que
serviria a uma área que a empreiteira comprara ou compraria na mesma
região.

O sítio que não é de Lula, mas recebeu-o em visitas
injustificadas para a imprensa e depois para a Lava Jato, entrou nas
fartas suspeições de crime quando "Veja" e logo Folha noticiaram, em
abril do ano passado: a OAS de Léo Pinheiro "realizou uma reforma em um
sítio a pedido do [já] ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva", área de
173 mil m² dos sócios de um filho de Lula.

A descoberta desse
fato deu-se, disse a notícia, nas "anotações feitas por Léo Pinheiro no
Complexo Médico Penal, em Curitiba". Mas, como ninguém da Lava Jato
falou nada, os jornalistas calaram o assunto por sete meses. Ou até que,
em novembro, a opinião pública foi blindada com a aparente notícia de
que "a Polícia Federal investiga se a OAS beneficiou a família do
ex-presidente" Lula "ao pagar por obras" no sítio "frequentado pelo
petista e seus parentes". Mas a obra deixara de ser "realizada" pela OAS
para ser apenas "paga" pela empresa.

Nove meses depois da
revelação, o sítio reaparece, ainda sem um esclarecimento da Polícia
Federal e da Lava Jato: não houve delação a respeito, logo, só se
investigassem. Nem por isso faltam novidades: sumiram a OAS e Léo
Pinheiro e entrou a Odebrecht, empreiteira da moda. Citada por uma
senhora vendedora de material de construção e um carpinteiro, com
alegada base em alguns recebimentos que tiveram. E a tal anotação de Léo
Pinheiro, que falava em OAS? Outra tapeação?

Figuras imaculadas,
deve ter sido para não ver os seus novos bens em tal protelação e
barafunda que Figueiredo, Fernando Henrique e Sérgio Motta preferiram
que ninguém soubesse deles. Mas o sítio de Atibaia mostra bem o quanto
fatos relevantes, pelas suspeitas-já-acusações que os utilizam, estendem
consequências no tempo e confundem a indefesa opinião pública.

Como o sítio de Atibaia, há muitos fatos e circunstâncias, não só da Lava Jato, na atualidade brasileira.

O MENTIROSO

O
delator Fernando Moura deixou uma pista nos depoimentos em que se
desdisse, muito sugestiva de qual deles é o autêntico. No segundo, que
desmentia o de suas ofertas para ter direito a delação premiada, negou
que José Dirceu fosse o patrono da nomeação de Renato Duque na
Petrobras, como a Lava Jato difundiu. Disse que Dirceu foi chamado a
dirimir a indecisão final entre dois pretendentes, em reunião a que
estava presente também Dilma Rousseff, então da equipe de transição. A
indicação foi de Silvio Pereira.

Para quem buscava o prêmio por
delação, seria um acréscimo estúpido citar a própria presidente da
República como testemunha em narração que fosse falsa, sujeitando-se a
um trompaço desmoralizador. Fernando Moura é cínico, mas não é estúpido.
Só veio a desdizer o depoimento corretivo porque oprimido pela ameaça,
reiterada em público, que lhe fez um procurador da Lava Jato.

O país dos elegantes, por Flávio de Castro

O país dos elegantes, por Flávio de Castro

















De sua conta no Facebook


Eu confesso que não sei a verdade: não sei se Lula é ou não dono de
um triplex no Guarujá como não sei se FHC é ou não dono de um
apartamento na Avenue Foch, em Paris.


Sei apenas que a presunção de ser dono de um triplex no Guarujá é
inequivocamente associada à corrupção e a presunção de ser dono de um
apartamento em Paris não tem nada a ver, obviamente, com corrupção.


Especialmente se o apê do Guarujá for um tanto novo-rico e o apê de Paris, um tanto elegante.


A questão é estética.


Lula carregando uma caixa de isopor e sendo dono de um barco de lata é
uma cômica farofa. Se FHC carregasse uma caixa de isopor e fosse dono
de um barco de lata seria uma concessão à humildade.


A questão é classista.


Um Odebrecht sentado à mesa com FHC é um empresário rico. O mesmo Odebrecht sentado à mesa com Lula é um pagador de propina.


Nada disso tem a ver com corrupção. Nada disso revela qualquer preocupação com o país.


A cada dia que passa, é mais evidente que o que está em discussão é quem são os verdadeiros donos do poder.


E os donos legítimos do poder são os elegantes. Aqueles com relação
aos quais não interessa saber como amealharam riqueza porque,
simplesmente, a riqueza lhes cai bem.


A casa grande tem um perfume que inebria toda a lavoura arcaica e sensibiliza até a senzala. É o que estamos assistindo.


Tudo o mais, tudo o que não é casa grande é Lula e os amigos de Lula!


A questão é preconceito.


Vejam como um fraque cai naturalmente bem em FHC. Um fraque assim em Lula, certamente, deveria ter sido roubado.


O Brasil é o país dos elegantes. De uma elegância classista, racista e
preconceituosa deitada eternamente no berço esplêndido do aristocrático
século XIX.


[FHC, por favor, levante a gravata do seu lado direito, está um pouco torta, isso, perfeito!]


Flávio de Castro professor de arquitetura da UNIFEMM

Lula, um homem mimado, por Sérgio Saraiva

Lula, um homem mimado, por Sérgio Saraiva



Lula, um homem mimado, por Sérgio Saraiva

Algumas recordações pessoais sobre os incômodos mimos do presidente Lula
Por Sérgio Saraiva
A manchete da Folha de São Paulo de 30 de janeiro de 2015 é mais um daqueles marcos da escandalização jornalística: ”Nota fiscal de barco reforça elo de Lula com sítio em São Paulo”.
Trata-se
de um pequeno bote de alumínio a remo, no valor de 4 mil reais, com
nota fiscal identificando a compradora – Marisa Letícia Lula da Silva.
Presente da esposa ao marido que gosta de pescar.
Que
algo tão prosaico esteja em manchete de primeira página, só se explica
pelo nível atual de escandalização e falta de senso de ridículo da nossa
imprensa.
Sem dúvida, tanto que, em editorial, a própria Folha relativiza sua manchete: ”Mimos incômodos”. E, mais do que relativizar, a Folha ri de si mesma na charge do genial ”Montanaro”.
Montanaro
Apenas “mimos incômodos”.
E,
no entanto, esse substantivo composto, “mimos incômodos”, fez me pensar
em quantas vezes poderia associa-lo ao que sei de memória em relação a
Lula.
Conheci
Lula no ABC paulista em 1978. Para quem não é de São Paulo, o ABC é
composto pelas cidades industriais que cercam a capital – cidades com
nomes de santos – André, Bernardo e Caetano.
Ele fazia campanha em portas de fábricas distribuindo “santinhos”. Era candidato a senador.
O que sabia dele?
Era
um homem de esquerda em plena ditadura. Era jovem, 47 anos, mas
precocemente aposentado desde os 38 anos. Estrito senso, trabalhara um
ano apenas até a aposentadoria. Entenda-se que fora aposentado
compulsoriamente pela ditadura. A aposentadoria como forma de punição.
Houve os que foram “suicidados”.
Não
era um homem rico. Vinha de uma família de classe média. Fora
aposentado em um cargo de classe média, teria, portanto, rendimentos de
classe média. A sua declaração de bens à justiça eleitoral comprovava
isso: um apartamento de classe média em um bairro de classe média e um
sítio em uma cidade pequena – Ibiúna – próxima à capital.
Na próxima vez em que vou saber das posses de Lula, ele já é presidente.
Passou-se
16 anos, e Lula, agora, possui uma fazenda de criação de gado em
Buritis MG. A aposentadoria e o salário de presidente, por certo, não
eram suficientes para alavancá-lo da condição de classe-média à condição
de latifundiário. Principalmente levando-se em conta que, em função de
um relacionamento extraconjugal, Lula deveria despender, pelo menos, 30%
de sua renda em uma pensão alimentícia. Pensão essa, paga em euros, já
que o filho, a essa altura, morava na Europa. A mãe do menino tinha um
bom emprego, era funcionária da Rede Globo, mas não creio que
dispensasse a pensão. Havia, contudo, uma explicação para o aumento de
patrimônio do presidente. A fazenda fora comprada em sociedade com um
amigo de muitos anos, empresário da construção civil e coordenador de
sua campanha política. Eu não sabia qual era a parte do presidente na
tal fazenda, poderia ser mínima – simbólica apenas da amizade entre os
dois companheiros de lutas.
Aliás, em relação a fazendas, há um caso curioso envolvendo Lula. A propriedade de outra fazenda, essa, em Osasco-SP.
O curioso deriva de que Osasco é uma cidade industrial sem área rural.
Os registros da propriedade até existem, mas, de tão insólito, parece
até aquela história da ficha falsa de Dilma.
Bons
amigos nunca faltaram a Lula. São conhecidos os empréstimos de imóveis
que obtém deles. Um apartamento em Paris – França, pertencente a outro
amigo, rico fazendeiro de Minas Gerais, era tão de Lula que foi
necessário esclarecer em nota à imprensa que Lula não o era o
proprietário. Poderia parecer ocultação de patrimônio.
Lula
é também um homem de sorte. Ainda presidente, logo após a compra da
fazenda, a construtora Camargo Correia, hoje com seu presidente
condenado na Lava Jato, comprou uma fazenda ao lado da de Lula e lá
construiu uma pista de pouso para aeronaves que também serviria o
presidente e sua família.
Outros
bons negócios estão presentes na vida do presidente Lula. Logo após
deixar a presidência, trocou o apartamento classe-média por um muito
maior – 450 m². Um banqueiro, envolvido no caso do trensalão paulista,
que deu em nada, vendeu-lhe a preço bom o novo apartamento. Banqueiros não são dados a gentilezas, mas trata-se de Lula.
Bons
amigos e bons negócios, Lula é um homem feliz. Feliz e irônico: “vida
de rico, em geral, é muito chata“, declarou certa vez.
Reconhecimento também jamais faltou a Lula.
Ainda presidente, no Palácio da Alvorada, Lula passou o chapéu entre
o empresariado e recomeçou sua vida pós-presidência com um patrimônio, à
época, de R$ 7 milhões – uns R$ 15 milhões hoje, se corrigidos pela
inflação, para seu Instituto. Houve muitas doações posteriores. Empresas
como a Odebrecht e Camargo Correia, mas também empresas públicas como a
SABESP, nunca foram-lhe mesquinhas. As duas primeiras, envolvidas na
Lava Jato, a terceira, responsabilizada por falta de investimentos
públicos que agravaram a crise de abastecimento de água de São Paulo,mas
sempre a mesma generosidade com Lula.
E agora essa história de um barquinho de alumínio, associada à reforma de sítio de sócio do filho.
Soaria
ridículo, não fosse o grau de escandalização atual ao qual a imprensa
se permite. Pois, como ressalta a Folha de São Paulo: “dadas as
dimensões milionárias dos escândalos em curso nas operações Lava Jato e
Zelotes, é até possível que, na cultura que predomina no relacionamento
entre empreiteiras e os mais altos nomes do Executivo, benesses como
essas sejam vistas mesmo como meros mimos, agrados, iniciativas de
relações públicas”.
Isso
para não falar do silêncio com que Lula é brindado por essa mesma
imprensa em relação ao seu histórico de outros mimos incômodos. Diria
eu.

PS1: não comentarei o artigo de Igor Gielow sobre
a reforma do tal sítio. Um texto altamente depreciativo ao
ex-presidente Lula. Mas que se protege atrás de expressões, tais como, segundo testemunhas ouvidas pela Folha” ou “suposto objeto de propina”, ou ainda, “se comprovadas”,“se não for inocente” e “pode, no limite…”E, “no limite”, o que não pode, não é mesmo? Acaba como se Igor “quisesse acreditar” que “a extinção do PT é algo já em curso”.
Trata-se antes de um desejo tornado público. E desejos podem ser
objetos da psicologia, ou mesmo da psiquiatria, mas não cabem na crítica
jornalística.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Stiglitz diz que BC brasileiro estrangula a economia

Stiglitz diz que BC brasileiro estrangula a economia



Stiglitz diz que BC brasileiro estrangula a economia






Jornal GGN - Para
Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, a política monetária aplicada
pelo Banco Central no Brasil estrangula a economia, e ela deveria se
contrapor aos efeitos da queda do preço das commodities. Ele também acha
que o BC deveria considerar os efeitos da Operação Lava Jato,
reconhecendo que este é um período em que haverá restrição de gastos com
contração da construção civil.
Stiglitz também diz que a ideia de
aumentar os juros para conter a inflação é uma teoria desacreditada, e
que é preciso saber qual é a fonte da inflação. "Não é bom ter inflação
em disparada, mas também não é bom matar a economia. E eu acho que eles
(o BC brasileiro) perderam esse equilíbrio", afirma. Leia mais abaixo:
Do Estadão
Às vésperas da reunião do Copom, em que
se acredita que o Banco Central pode subir mais uma vez os juros, Joseph
Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, disse em Davos, onde participa do
Fórum Econômico Mundial, que o BC brasileiro estrangula a economia. Para
ele, a política monetária do Brasil deveria se contrapor aos efeitos
depressivos da queda do preço das exportações e da Operação Lava Jato.
Sobre o quadro mundial, o economista avalia que a economia terá
desempenho em 2016 igual ou pior ao de 2015. O Nobel também considera o
aumento da desigualdade como outro fator que reduz a demanda global. A
seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Broadcast,
serviço em tempo real da Agência Estado.
Como o sr. vê os atuais problemas do Brasil?
A característica distintiva do Brasil é
que a política monetária estrangula a economia. Vocês têm uma das mais
altas taxas de juros no mundo. Se o Brasil reagisse à queda no preço das
exportações com medidas contracíclicas, o País talvez pudesse ter
evitado a intensidade da atual crise. Outra questão é que, sempre que
ocorrem escândalos de corrupção da magnitude do que acontece agora no
Brasil, a economia é jogada para baixo. Isso cria uma espécie de
paralisia. O sistema legal no Brasil está colocando muita gente na
prisão. Não estou dizendo que não deveriam fazer isso, mas a política
monetária deveria reconhecer que este é um período em que haverá
restrição de gastos, particularmente no setor público, em que as pessoas
serão mais cautelosas em tomar decisões, em que a construção civil vai
se contrair.
Mas a inflação está muito mais elevada que o teto de tolerância do sistema de metas.
e modelo que diz que, se a inflação está
alta, você sobe os juros é uma teoria que foi desacreditada. É preciso
saber qual é a fonte da inflação. Se for excesso de demanda, aí você
sobe juros, porque tem de moderar a demanda. Mas se for um impulso dos
custos, você tem de ser cuidadoso. Nesse caso, a forma pela qual a alta
dos juros reduz a inflação é matando a economia. Se você conseguir
desemprego o suficiente, os salários são deprimidos, e você segura a
inflação. Mas isso é matar a economia. Não é bom ter inflação em
disparada, mas também não é bom matar a economia. E eu acho que eles (o
BC brasileiro) perderam esse equilíbrio.
No Brasil, muita gente acha que a culpa é da política fiscal, e não do Banco Central.
Quando a economia se desacelera, as
receitas tributárias caem e ocorrem déficits. Se a economia for
estimulada, a receita sobe. Dessa forma, a política monetária pode
ajudar a política fiscal.
Então o problema no Brasil é a política monetária?
Na verdade, vocês têm dois problemas: o
colapso do preço das exportações e o escândalo de corrupção. O que eu
disse é que a política monetária deveria se contrapor a esses fatores,
mas, em vez disso, ela está agravando o problema.
Como o sr. vê a economia global hoje?
Meu diagnóstico não é nada complicado:
há falta de demanda agregada global. Mesmo antes da crise, o que
sustentava a economia americana era uma bolha artificial. Se não fosse
por ela, a economia teria sido fraca.
Por que a demanda global está fraca?
Olhando em volta do mundo, há quatro
razões básicas. A primeira é a desigualdade. As pessoas no topo não
gastam tanto (como parte da sua renda) quanto as pessoas na base. Então,
à medida que a desigualdade cresce, a demanda se enfraquece. Em segundo
lugar, há transformações estruturais acontecendo em quase todos os
países. Nos EUA, a transição da indústria manufatureira para os
serviços. Na China, das exportações para a demanda interna. Mas os
mercados são duros em conduzir essas transições. Tem sempre gente que
fica para trás, o que contribui para a desigualdade. Os setores que
ficam para trás não podem demandar bens. Em terceiro lugar, a zona do
euro está uma bagunça, com políticas econômicas que contribuíram para
reduzir o crescimento.
O sr. se refere à austeridade?
Sim, até nos EUA temos uma forma
moderada de austeridade, pela pressão política dos Republicanos. Nós
temos meio milhão de empregos menos no setor público do que tínhamos em
2008, antes da crise, e, se houvesse uma expansão normal da economia,
seriam dois milhões mais. Então temos austeridade nos EUA.
E qual seria o quarto fator para a demanda global enfraquecida?
Sempre que há uma perturbação como a
queda do preço do petróleo. Todo mundo esperava que o preço mais baixo
estimularia a demanda, mas se esqueceram de que se trata de
redistribuição. Os vendedores perdem e os compradores ganham. Se os
vendedores diminuem seus gastos em exatamente o mesmo volume que os
compradores aumentam, não há nenhuma mudança. Mas há assimetrias. Muitas
vezes os que perdem têm de contrair o seu gasto, dólar por dólar, e
aqueles que ganham economizam, pois não sabem se o ganho é temporário ou
de longo prazo. E os desdobramentos podem ser ainda piores em termos de
investimento – uma das fontes de crescimento nos EUA e outros países
vinha sendo o investimento em hidrocarbonetos (petróleo e gás). E isso
foi cortado. Os efeitos são enormes. Da mesma forma, a desaceleração na
China provoca a queda do preço do minério de ferro, e os ganhadores não
gastam mais tanto quanto os vendedores gastam menos.
Qual a sua previsão para 2016?
É provável que essas tendências que eu
descrevi continuem este ano. Se eu fosse otimista, eu chamaria atenção
para o fato de que o orçamento americano acabou sendo melhor do que o
esperado, mas há muitos fatores negativos. Não vejo nada positivo na
Europa. Acho que muita gente esperava a desaceleração na China, mas não o
tamanho da turbulência financeira. Tudo isso me diz que 2016 será tão
ruim ou pior do que 2015.
O problema da economia global é demanda, para o senhor. Qual seria a terapia?
A terapia econômica é fácil. O problema é
a política. Em termos econômicos, precisamos de um aumento dos gastos
do governo nos EUA e na Europa. Nos dois casos, os setores públicos
podem tomar emprestado a juros muito baixos. E, por outro lado, é
preciso investimento em tecnologia, educação, infraestrutura. Isso
estimularia a economia. Compraríamos mais do Brasil, o que ajudaria
vocês. Na Europa e nos EUA, temos espaço fiscal, vocês têm menos. Mesmo
que os EUA estivessem preocupados com o déficit público, podemos elevar
impostos. Nossos impostos são muito baixos. Podemos aumentar impostos,
conseguir mais igualdade.
E qual o obstáculo para isso?
O problema maior está nos EUA e na
Europa, e se resume à política. Na verdade, é um pouco mais complicado.
Nos EUA, é apenas a política. Acredito que há um amplo sentimento no
Partido Democrata em favor das políticas que acabei de descrever. Na
Europa, é complicado por causa da ideologia alemã. Tenho dúvida de que,
caso a oposição vencesse, haveria uma mudança. Os alemães reescreveram a
história para acreditar que a inflação foi o problema principal (na
ascensão do nazismo), mas o que causou Hitler foi o desemprego. E eles
se esqueceram disso. Eles esqueceram que o desemprego é a verdadeira
causa da instabilidade social. E eles promovem políticas que causam o
desemprego. Então a zona do euro tem de ser reformada, e isso é mais
difícil, é um problema estrutural.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Justiça aceita denúncia sobre corrupção na Petrobras desde 1999

Justiça aceita denúncia sobre corrupção na Petrobras desde 1999 - 20/01/2016 - Poder - Folha de S.Paulo



Justiça aceita denúncia sobre corrupção na Petrobras desde 1999
















O juiz substituto da 3ª Vara Federal do Rio, Vitor Barbosa Valpuesta,
aceitou a denúncia do Ministério Público Federal sobre pagamento de
propina da empresa holandesa SBM Offshore a funcionários da Petrobras de
1999 a 2012.





A denúncia, feita pelos procuradores em dezembro, torna-se agora uma
ação penal, tendo como réus os ex-funcionários da Petrobras Jorge
Zelada, Renato Duque, Pedro Barusco e Paulo Roberto Buarque Carneiro,
além dos ex-representantes da SBM no Brasil Julio Faerman e Luís Eduardo
Campos Barbosa.





O juiz Vitor Valpuesta entendeu haver indícios mínimos do cometimento
dos crimes apontados na denúncia, como corrupção ativa, passiva e evasão
de divisas, e determinou a abertura da ação, em decisão de 13 de
janeiro.





Faerman e Barusco firmaram acordos de delação premiada
e, por isso, terão suas penas atenuadas. Faerman detalhou como fez os
pagamentos de propina por meio de contas no exterior aos funcionários da
Petrobras.





Além de abrir a ação penal, o juiz determinou o desmembramento do
processo em relação aos sete representantes estrangeiros da SBM que
foram alvos da denúncia.





Segundo o Ministério Público Federal, os pagamentos de propina começaram
por volta de 1999 até 2012, passando pelos governos de Fernando
Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.





Só Barusco, por exemplo, disse em sua delação ter recebido cerca de US$
21 milhões de Faerman e Luís Barbosa em contas no exterior.





O caso começou a ser investigado antes de vir à tona a Operação Lava Jato,
que tramita em Curitiba, e por isso corre na Justiça do Rio. Barusco
fez delação tanto com a Lava Jato como com o Ministério Público do Rio.





Dois estrangeiros acusados de crimes de menor potencial ofensivo, Bruno
Chabas e Sietze Hepkema, manifestaram interesse em um "acordo de
transação penal", instituto pelo qual negociam uma pena de multa ou
restritiva de direitos e se livram do processo.





A SBM já havia assinado um acordo com o Ministério Público da Holanda,
no qual admitiu ter pago US$ 139 milhões em propina no Brasil, e negocia
um acordo de leniência com o governo federal.





OUTRO LADO





A defesa de Zelada informou que "refuta as acusações contidas na
denúncia, baseadas em depoimentos colhidos em sede de delação já
premiada". Diz que apresentará a defesa no prazo legal.





A defesa de Duque na Lava Jato informou que não advoga no caso do Rio.





A defesa de Luís Barbosa não quis comentar. A Folha não obteve contato com a defesa de Paulo Carneiro.

domingo, 17 de janeiro de 2016

Classe A tem maior fatia da renda do País -

Classe A tem maior fatia da renda do País - Economia - Estadão

 Leia Mais:http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,classe-a-tem-maior-fatia-da-renda-do-pais,10000007285
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Araújo ao 247: 'Época deve investigar seus patrões'

Araújo ao 247: 'Época deve investigar seus patrões'



Araújo ao 247: 'Época deve investigar seus patrões'




:


Horas
depois que a revista Época chegou às bancas, neste sábado, com uma capa
tão escandalosa como vazia contra o advogado Carlos Araújo, que foi
casado com Dilma Rousseff e é pai da filha de ambos, Paula, ele deu uma
pequena entrevista ao 247.



Araújo bateu duro, realizando um
contra-ataque contra os donos da Globo, proprietária da Época: "A
revista deveria preocupar-se em esclarecer por que seus patrões
resolveram viver homiziados em Miami, cidade que é um dos endereços
preferidos pela máfia internacional."



O advogado diz: 


– Fui surpreendido com tanta
maldade. Isso é coisa de jornalismo bandido, que não tem fatos, não tem
provas, e tenta forjar uma impressão negativa sobre as pessoas que
querem atingir. Sou uma pessoa honrada e minha prática sempre foi
coerente com minha ideologia.



Advogado por formação profissional,
calejado pelos rigores da luta contra a ditadura militar, quando foi um
dos principais dirigentes da VAR-Palmares, uma das principais
organizações armadas do período, Carlos Araújo avalia a edição da
revista como uma operação política, cuja finalidade óbvia é tentar
atingir a presidente:



 – É puro jornalismo marrom, que
atende a finalidades políticas e só isso. Como todos descobriram que não
têm como publicar uma denúncia capaz de atingir Dilma diretamente, pois
não há nada contra ela, tentam agir por via indireta, tentando atingir
pessoas do círculo próximo, como eu.



A história divulgada pela revista é a
seguinte. Desesperado pela crise da Engevix, empresa investigada na
Lava Jato, um dos dirigentes da empresa, José Antunes Sobrinho, que hoje
cumpre prisão domiciliar, teria feito uma "reunião secreta" com Araújo,
de quem teria ouvido a promessa de receber a ajuda esperada. No mesmo
período, diz a revista, um casal amigo de Araújo – e da própria Dilma –
teria recebido um pagamento de R$ 200 mil. A tentativa de construir a
narrativa de uma vulgar operação triangular é evidente como o perfil do
Pão de Açúcar na paisagem do Rio de Janeiro – o problema é que não se
apoia em fatos que possam ser comprovados, até porque a revista não se
deu ao trabalho de conferir as informações que acabaria publicando.



O único encontro  entre o advogado e um profissional da revista teve duração curtíssima e terminou de forma abrupta:


– Num recurso desonesto, diz Araújo,
um dia um repórter da revista se infiltrou no meu escritório para
tentar me abordar. Preencheu ficha como cliente, mas, quando sentou-se a
minha frente, começou fazer perguntas sobre a Engevix, perguntou quanto
eu havia recebido. Fiquei indignado e exigi que se retirasse
imediatamente.



Araújo e Antunes se encontraram – não só uma vez, mas três vezes. O assunto era sempre o mesmo:


– Ele estava cada vez mais
desesperado com a situação da empresa e queria de todas as maneiras que
eu o ajudasse a marcar um encontro com a Dilma. Pretendia falar da
situação com ela. Foram três conversas e em todas expliquei que este não
era e nunca foi meu papel. Tenho a minha vida, a minha história, os
meus valores. Jamais iria tentar interferir na agenda da presidente. Nem
ela iria permitir isso.



(Momentos antes da entrevista, o Planalto desmentiu que o encontro tenha se realizado)


Começando a refletir sobre as
providências jurídicas que tomará, Araújo afirma que "irei a Justiça
defender meus direitos com todos os recursos cabíveis. Fui vítima de uma
calúnia e vou entrar com uma ação contra isso.  E vou exigir direito de
resposta, cuja necessidade agora ficou mais evidente. Mesmo pensando em
tudo isso, acho pouco. Não se pode fazer isso contra uma pessoa, sem
prova, sem fatos."

sábado, 9 de janeiro de 2016

Boaventura: crise da política e futuro da esquerda

Boaventura: crise da política e futuro da esquerda



Boaventura: crise da política e futuro da esquerda


Para Boaventura, são “a melhor expressão da presença das
inovações latino-americanas na nova esquerda europeia”
Diante dos riscos de barbárie, agora presentes em toda parte,
voltam a surgir iniciativas inovadoras. Terão êxito? Como evitar
repetição de erros trágicos?





Por Boaventura de Sousa Santos


O futuro da esquerda não é mais difícil de prever que qualquer outro
facto social. A melhor maneira de o abordar é fazer o que designo por
sociologia das emergências. Consiste esta em dar atenção especial a
alguns sinais do presente por ver neles tendências ou embriões do que
pode vir a ser decisivo no futuro. Neste texto, dou especial atenção a
um fato que, por ser incomum, pode sinalizar algo de novo e importante.
Refiro-me aos pactos entre diferentes partidos de esquerda.


Os Pactos


A família das esquerdas não tem uma forte tradição de pactos. Alguns
ramos desta família têm mais tradição de pactos com a direita do que com
outros ramos da família. Dir-se-ia que as divergências internas na
família das esquerdas são parte do seu código genético, tão constantes
têm sido ao longo dos últimos duzentos anos. Por razões óbvias, as
divergências têm sido mais extensas ou mais notórias em democracia. A
polarização vai por vezes ao ponto de um ramo da família não reconhecer
sequer que o outro ramo pertence à mesma família. Pelo contrário, em
períodos de ditadura têm sido frequentes os entendimentos, ainda que
terminem mal termina o período ditatorial. À luz desta história, merece
uma reflexão o facto de em tempos recentes termos vindo assistir a um
movimento pactista entre diferentes ramos das esquerdas em países
democráticos. A Europa do Sul é um bom exemplo: a unidade em volta do
Syriza na Grécia, apesar de todas as vicissitudes e dificuldades; o
governo liderado pelo Partido Socialista em Portugal com o apoio do
Partido Comunista e do Bloco de Esquerda no rescaldo das eleições de 4
de Outubro de 2015; alguns governos autonômicos em Espanha, saídos das
eleições de 2015 e, no momento em que escrevo, a discussão sobre a
possibilidade de um pacto a nível nacional entre o Partido Socialista, o
Podemos e outros partidos de esquerda em resultado das eleições
legislativas de 6 de dezembro de 2015. Há sinais de que noutros espaços
da Europa e na América Latina possam vir a surgir num futuro próximo
pactos semelhantes. Duas questões se impõem. Porquê este impulso
pactista em democracia? Qual a sua sustentabilidade?


A agressividade da direita é tão devastadora

que as forças de esquerda começam a perceber:

ditaduras do século XXI surgirão

como democracias de baixíssima intensidade

A primeira pergunta tem uma resposta
plausível. No caso da Europa do Sul, a agressividade da direita no poder
nos últimos cinco anos (tanto a nacional, como a que veste a pele das
“instituições europeias”) foi tão devastadora para os direitos de
cidadania e para a credibilidade do regime democrático que as forças de
esquerda começam a ficar convencidas de que as novas ditaduras do século
XXI vão surgir sob a forma de democracias de baixíssima intensidade.
Serão ditaduras que se apresentam como ditamoles ou democraduras:
a governabilidade possível ante a iminência do suposto caos nos tempos
difíceis que vivemos, o resultado técnico dos imperativos do mercado e
da crise que explica tudo sem precisar de ser, ela própria, explicada. O
pacto resulta de uma leitura política de que o que está em causa é a
sobrevivência de uma democracia digna do nome e de que as divergências
sobre o que tal significa têm agora menos premência do que salvar o que a
direita ainda não conseguiu destruir.



A segunda pergunta é mais difícil de responder. Como dizia Espinosa,
as pessoas (e eu diria, também as sociedades) regem-se por duas emoções
fundamentais: o medo e a esperança. O equilíbrio entre elas é complexo
mas precisamos das duas para sobreviver. O medo domina quando as
expectativas de futuro são negativas (“isto está mau mas o futuro pode
ser pior”); por sua vez, a esperança domina quando as expectativas de
futuro são positivas ou quando, pelo menos, o inconformismo com a
suposta fatalidade das expectativas negativas é amplamente partilhado.
Trinta anos depois do assalto global aos direitos dos trabalhadores; da
promoção da desigualdade social e do egoísmo como máximas virtudes
sociais; do saque sem precedentes dos recursos naturais e da expulsão de
populações inteiras do seus territórios e da destruição ambiental que
isso significa; do fomentar da guerra e do terrorismo para criar Estados
falidos e tornar as sociedades indefesas perante a espoliação; da
imposição mais ou menos negociada de tratados de livre comércio
totalmente controlados pelos interesses das empresas multinacionais; da
supremacia total do capital financeiro sobre o capital produtivo e sobre
vida das pessoas e das comunidades – depois de tudo isto, combinado com
a defesa hipócrita da democracia liberal, é plausível concluir que o
neoliberalismo é uma máquina imensa de produção de expectativas
negativas para que as classes populares não saibam as verdadeiras razões
do seu sofrimento, se conformem com o pouco que ainda têm e sejam
paralisadas pelo pavor de o perder.


Constituição e Hegemonia


O movimento pactista no interior das esquerdas é o produto de um
tempo, o nosso, de predomínio absoluto do medo sobre a esperança.
Significará isto que os governos saídos dos pactos serão vítimas do seu
êxito? O êxito dos governos pactuados à esquerda irá traduzir-se na
atenuação do medo e no devolver de alguma esperança às classes
populares, ao mostrar, por via de uma governação pragmática e
inteligente, que o direito a ter direitos é uma conquista civilizacional
irreversível. Será que, no momento em que voltar a luzir a esperança,
as divergências voltarão à superfície e os pactos serão deitados para o
lixo? Se tal acontecer, isso será fatal para as classes populares, que
rapidamente voltarão ao silenciado desalento perante um fatalismo cruel,
tão violento para as grandes maiorias quanto benévolo para as
pequeníssimas minorias. Mas será também fatal para as esquerdas no seu
conjunto, porque ficará demonstrado durante algumas décadas que as
esquerdas são boas para remendar o passado mas não para construir o
futuro. Para que tal não aconteça, dois tipos de medidas têm de ser
levadas a cabo durante a vigência dos pactos. Duas medidas que não se
impõem pela urgência da governação corrente e que, por isso, têm de
resultar de vontade política bem determinada. Chamo às duas medidas:
Constituição e hegemonia.


Primeira tarefa: reformas que ampliem a democracia, 

acabem com o monopólio dos partidos, 

garantam direitos sociais e nos preparem para futuros embates

contra o projeto elitista da ditamole

A Constituição é o conjunto de reformas constitucionais ou
infraconstitucionais que reestruturam o sistema político e as
instituições de maneira a prepará-los para possíveis embates com a ditamole
e o projeto de democracia de baixíssima intensidade que ela traz
consigo. Consoante os países, as reformas serão diferentes, como serão
diferentes os mecanismos utilizados. Se nalguns casos é possível
reformar a Constituição com base nos parlamentos, noutros será
necessário convocar Assembleias Constituintes originárias, dado que os
parlamentos seriam o obstáculo maior a qualquer reforma constitucional.
Pode também acontecer que, num certo contexto, a “reforma” mais
importante seja a defesa ativa da Constituição existente mediante uma
renovada pedagogia constitucional em todas as áreas de governação. Mas
haverá algo comum a todas as reformas: tornar o sistema eleitoral mais
representativo e mais transparente; reforçar a democracia representativa
com a democracia participativa.


Os mais influentes teóricos liberais da democracia representativa
reconheceram (e recomendaram) a coexistência ambígua entre duas ideias
(contraditórias) que garantem a estabilidade democrática: por um lado, a
crença dos cidadãos na sua capacidade e competência para intervir e
participar ativamente na política; por outro, um exercício passivo dessa
competência e dessa capacidade mediante a confiança nas elites
governantes. Em tempos recentes, e como mostram os protestos que
abalaram muitos países a partir de 2011, a confiança nas elites tem
vindo a deteriorar-se sem que, no entanto, o sistema político (pelo seu
desenho ou pela sua prática) permita aos cidadãos recuperar a sua
capacidade e competência para intervir ativamente na vida política.
Sistemas eleitorais enviesados, partidocracia, corrupção, crises
financeiras manipuladas – eis algumas das razões para a dupla crise de
representação (“não nos representam”) e de participação (“não merece a
pena votar, são todos iguais e nenhum cumpre o que promete”). As
reformas constitucionais visarão um duplo objetivo: tornar a democracia
representativa mais representativa; complementar a democracia
representativa com a democracia participativa. De tais reformas
resultará que a formação da agenda política e o controlo do desempenho
das políticas públicas deixam de ser um monopólio dos partidos e passam a
ser partilhados pelos partidos e por cidadãos independentes organizados
democraticamente para o efeito.


O segundo conjunto de reformas é o que designo por hegemonia.
Hegemonia é o conjunto de ideias sobre a sociedade e interpretações do
mundo e da vida que, por serem altamente partilhadas, inclusivamente
pelos grupos sociais que são prejudicados por elas, permitem que as
elites políticas, ao apelarem para tais ideias e interpretações,
governem mais por consenso do que por coerção, mesmo quando governam
contra os interesses objetivos de grupos sociais maioritários. A ideia
de que os pobres são pobres por culpa própria é hegemônica quando é
defendida, não apenas pelos ricos, mas também pelos pobres e pelas
classes populares em geral. Nesse caso são, por exemplo, menores os
custos políticos das medidas que visam eliminar ou restringir
drasticamente o rendimento social de inserção.


As aprendizagens globais


A luta pela hegemonia das ideias de sociedade que sustentam o pacto
entre as esquerdas é fundamental para a sobrevivência e consistência
desse pacto. Essa luta trava-se na educação formal e na promoção da
educação popular, nos mídia, no apoio aos mídia alternativos, na
investigação científica, na transformação curricular das universidades,
nas redes sociais, na atividade cultural, nas organizações e movimentos
sociais, na opinião pública e na opinião publicada. Através dela,
constroem-se novos sentidos e critérios de avaliação da vida social e da
ação política ( a imoralidade do privilégio, da concentração da riqueza
e da discriminação racial e sexual; a promoção da solidariedade, dos
bens comuns e da diversidade cultural social e econômica; a defesa da
soberania e da coerência das alianças políticas; a proteção da natureza)
que tornam mais difícil a contra-reforma dos ramos reacionários da
direita, os primeiros a irromper num momento de fragilidade do pacto.
Para que esta luta tenha êxito é preciso impulsionar políticas que, a
olho nu, são menos urgentes e menos compensadoras. Se tal não ocorrer, a
esperança não sobreviverá ao medo.


Na América Latina, governos de esquerda não enfrentaram

nem questão da Constituição, nem da hegemonia. 

No caso do Brasil, isso é ainda mais dramático

e ameaça todos os avanços da última década

Se algo se pode afirmar com alguma certeza sobre as dificuldades por
que estão a passar as forças progressistas na América Latina é que elas
assentam no facto de os seus governos não terem enfrentado nem a questão
da Constituição nem a questão da hegemonia. No caso do Brasil, este
fato é particularmente dramático. Ele explica em parte que os enormes
avanços sociais dos governos da era Lula sejam agora tão facilmente
reduzidos a meros expedientes populistas e oportunistas, inclusivamente
por parte daqueles que deles beneficiaram. Explica também que os muitos
erros que cometeram ( foram muitos, a começar pela desistência da
reforma política e da regulação dos mídia, e alguns erros deixam feridas
abertas em grupos sociais importantes, tão diversos quanto os
camponeses sem terra nem reforma agrária, os jovens negros vítimas do
racismo, os povos indígenas ilegalmente expulsos dos seus territórios
ancestrais, povos indígenas e quilombolas com reservas homologadas mas
engavetadas, militarização das periferias das grandes cidades,
populações rurais envenenadas por agrotóxicos, etc) não sejam
considerados erros, passem em claro e até sejam convertidos em virtudes
políticas ou, pelo menos, sejam aceites como consequências inevitáveis
de uma governação realista e desenvolvimentista.


As tarefas não cumpridas da Constituição e da hegemonia explicam
ainda que a condenação da tentação capitalista por parte dos governos de
esquerda se centre na corrupção e, portanto, na imoralidade e na
ilegalidade do capitalismo e não na injustiça sistemática de um sistema
de dominação que se pode realizar em perfeito cumprimento da legalidade e
da moralidade capitalistas.


A análise das consequências da não resolução das questões da
Constituição e da hegemonia é relevante para prever e prevenir o que se
pode passar nas próximas décadas, não só na América Latina, como também
na Europa e noutras regiões do mundo. Entre as esquerdas
latino-americanas e da Europa do Sul tem havido nos últimos vinte anos
canais de comunicação importantes que estão ainda por analisar em todas
as suas dimensões. Desde o início do orçamento participativo em Porto
Alegre (1989), várias organizações de esquerda na Europa, Canadá e Índia
(são estas as de que tenho conhecimento) começaram a dar muita atenção
às inovações políticas que emergiam no campo das esquerdas em vários
países da América Latina. A partir do final da década de 1990, com a
intensificação das lutas sociais, a subida ao poder de governos
progressistas e as lutas por Assembleias Constituintes, sobretudo no
Equador e na Bolívia, tornou-se claro que uma profunda renovação da
esquerda estava em curso e da qual havia muito que aprender.


Os traços principais dessa renovação eram os seguintes: a democracia
participativa articulada com a democracia representativa, uma
articulação de que ambas saiam fortalecidas; o intenso protagonismo de
movimentos sociais de que o Fórum Social Mundial de 2001 foi uma mostra
eloquente; uma nova relação entre partidos e movimentos sociais; a
entrada saliente na vida política de grupos sociais até então
considerados residuais, nomeadamente camponeses sem terra, povos
indígenas e povos afro-descendentes; a celebração da diversidade
cultural, o reconhecimento do caráter plurinacional dos países e o
propósito de enfrentar as insidiosas heranças coloniais sempre
presentes. Este elenco é suficiente para evidenciar o quanto as duas
lutas a que me tenho estado a referir (a Constituição e a hegemonia)
estavam presentes neste vasto movimento que parecia refundar para sempre
o pensamento e a prática de esquerda, não só na América Latina, como em
todo o mundo.


A crise financeira e política, sobretudo a partir de 2011, e o
movimento dos indignados foram os detonadores de novas emergências
políticas de esquerda na Europa do Sul em que as lições da América
Latina estavam bem presentes, sobretudo a nova relação
partido-movimento, a nova articulação entre democracia representativa e
democracia participativa, a reforma constitucional e, no caso da
Espanha, a questão da plurinacionalidade. O partido espanhol Podemos
representa melhor do que qualquer outro esta aprendizagem, ainda que os
seus dirigentes tenham estado desde a primeira hora bem conscientes das
diferenças substanciais entre o contexto político e geopolítico europeu e
o latino-americano.


As esquerdas europeias aprenderam com as muitas inovações

das esquerdas latino-americanas. Mas estas “esqueceram” 

suas próprias criações e caíram nas armadilhas

da velha política, onde são facilmente batidas

O modo como essas aprendizagens se vão plasmar no novo ciclo político
que está a emergir na Europa do Sul é, por agora, uma incógnita. mas
desde já é possível especular o seguinte. Se é verdade que as esquerdas
europeias aprenderam com as muitas inovações das esquerdas
latino-americanas, não é menos verdade (e trágico) que estas se
“esqueceram” das suas próprias inovações e que, de uma ou de outra
forma, caíram nas armadilhas da velha política onde as forças de direita
facilmente mostram a sua superioridade dada a longa experiência
histórica acumulada.


Se as linhas de comunicação se mantêm nos dias de hoje, e sempre
salvaguardando a diferenças dos contextos, talvez seja tempo de as
esquerdas latino-americanas aprenderem com as inovações que estão a
emergir entre as esquerdas da Europa do Sul. Entre elas saliento as
seguintes: manter viva a democracia participativa dentro dos próprios
partidos de esquerda como condição prévia à sua adoção no sistema
político nacional em articulação com a democracia representativa; pactos
entre forças de esquerda (não necessariamente apenas partidos) e nunca
com forças de direita; pactos pragmáticos não clientelistas (não se
discutem pessoas ou postos de governo mas políticas e medidas de
governação), nem de rendição (articulando linhas vermelhas que não podem
ser ultrapassadas com a noção de prioridades, ou, como se dizia dantes,
distinguindo as lutas primárias das secundárias); insistência na
reforma constitucional para blindar os direitos sociais e tornar o
sistema político mais transparente, mais próximo e mais dependente de
decisões cidadãs sem ter de esperar por eleições de quatro em quatro
anos (reforço do referendum); e, no caso espanhol, tratar
democraticamente a questão da plurinacionalidade.


A máquina fatal do neoliberalismo continua a produzir medo em larga
escala e, sempre que falta matéria prima, ceifa a esperança que pode
encontrar nos recessos mais recônditos da vida política, social das
classes populares, tritura-a, processa-a e transforma-a em medo do medo.
As esquerdas são a areia que pode emperrar essa engrenagem majestática
de modo a abrir as brechas por onde a sociologia das emergências fará o
seu trabalho de formular e amplificar as tendências, os “ainda não”, que
apontam para um futuro digno para as grandes maiorias. Para isso, é
preciso que as esquerdas saibam ter medo sem ter medo do medo. Saibam
furtar rebentos de esperança à trituração neoliberal e plantá-los em
terrenos férteis onde cada vez mais cidadãos sintam que podem viver bem,
protegidos, tanto do inferno do caos iminente, como do paraíso das
sirenes do consumo obsessivo. Para que isto aconteça, a condição mínima é
que as esquerdas permaneçam firmes nas duas lutas fundamentais, a
Constituição e a hegemonia.

Ouro ao bandido

Ouro ao bandido — CartaCapital



Ouro ao bandido

Incrível: o governo sonha em ganhar a simpatia da casa-grande





por Mino Carta







publicado
08/01/2016 12h37,

Mas que esperança, meus senhores...
Pergunto aos meus botões qual seria o propósito de
quem entrega o ouro ao bandido. Ao que tudo indica, comover o bandido,
respondem prontamente. Insisto: com quais chances de êxito? Concluem:
com bandido de 18 quilates, nenhuma. Moral da história: quem entrega o
ouro ao bandido, ou é ingênuo ou néscio.


Tenho reunido há tempo farta documentação da incapacidade do governo
de perceber em toda a sua extensão o papel da mídia nativa. Vem de tão
longe a colheita que, a esta altura, é do conhecimento até do mundo
mineral a exata dimensão da quadrilha midiática. Mas nem todos entre os
humanos têm a sensibilidade do quartzo e do feldspato.


Em países civilizados e democráticos, atuam jornais, revistas,
rádios, canais de tevê, fontes de informação em geral, em condições de
expor ideias e defender interesses os mais variados. No Brasil, não, diz
a voz das entranhas da Terra, no Brasil vigora o jornalismo do
pensamento único, a serviço exclusivo da ideologia da casa-grande.
Defini-la conservadora, ou mesmo reacionária, é redutivo. Ela é
simplesmente medieval, com todas as implicações da condição. Anterior à
Idade Moderna.


Espanta-me que um governo que pretendeu ser da renovação ao implementar políticas desenvolvimentistas e de inclusão social,
ainda não tenha logrado enxergar na mídia nativa o verdadeiro partido
de oposição disposto a cometer atos de descarada bandidagem. Não há
limite para os barões midiáticos e os rapazes do bando. Não se trata de
uma justa competição a bem da democracia, e sim, de um combate desleal,
sem trégua e sem compromisso algum com a verdade factual. Partido sui generis, está claro, próprio de uma época de trevas.


Às vezes me surpreendo na tentativa de imaginar o que vai entre o
fígado e a alma nem digo dos senhores da mídia, moradores cativos da
casa-grande, mas dos seus empregados, habitantes de redações onde o desequilíbrio social
a assolar o País se repete para separar quem ganha mais de quem ganha
menos. O que leem para alimentar sua visão do mundo e da vida? O que
sentem ao praticar seu jornalismo bucaneiro? Alguns, do alto de
pirâmides de florins, talvez encontrem apaziguantes justificativas. E os
outros remediados que se curvam passivamente?


Neste começo do novo ano, sou forçado a anotar que o governo
reitera implacavelmente a sua ignorância em relação ao rol midiático,
que tão eficaz se revelou na criação da crença de que todas as culpas
hão de cair sobre os ombros de Dilma
e de Lula, sem exclusão do atraso do ônibus ou do precário
funcionamento do celular. E não é que os governistas se apressam a
entregar o ouro ao bandido? A presidenta colabora com a Folha de S.Paulo com uma mensagem do primeiro dia de 2016. O ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, dá uma entrevista ao mesmo jornal, enquanto o novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, opta para sua primeira fala com o Estadão e o Valor Econômico. Será que gostam tanto assim de quem quer vê-los pelas costas?


Produzi algum gênero de autocrítica a respeito de pecados que já
foram cometidos impunemente por quem os precedeu no comando da chamada
redemocratização, iguais e até piores, diante da absoluta indiferença da
mídia, quando não da aprovação? Quem sabe o ministro Barbosa quisesse
fazer genuflexão aos pés do deus mercado, sem deixar de bater na tecla
do desenvolvimento. Uma no cravo, outra na ferradura. Tempo perdido,
clamorosamente.


Sempre supus Jaques Wagner qualificado para a chefia da Casa Civil e
louvei sua escolha para o posto. Mas por que denegrir o PT nas páginas
da Folha? CartaCapital repete há uma década que o Partido
dos Trabalhadores portou-se no poder como todos os demais. Admitir,
porém, a traição aos princípios e valores iniciais em benefício do
inimigo é descabido, além de imprudente, sem contar que, em termos de
política econômica, o PT defende faz algum tempo causas justas. Quanto a
Barbosa, conseguiu o oposto do que desejava.


Que a maioria dos brasileiros seja resignada, até hoje incapaz de
reação a tanta prepotência, tem suas razões de ser ao cabo de séculos de
escravidão. Já o governo passa da conta com sua remissividade. Para não
usar outra palavra, que por ora não quero pronunciar. O governo do PT
deveria era encontrar motivos de orgulho no ódio irreversível que o
cerca. Apesar de muitos e graves deslizes, o partido poderia ainda
apostar em uma decisiva e redentora diversidade

“Os economistas brasileiros vivem em guerra civil para falar sobre a crise”

“Os economistas brasileiros vivem em guerra civil para falar sobre a crise”: DCM entrevista Gilson Schwartz



Os economistas brasileiros vivem em guerra civil para falar sobre a crise”: DCM entrevista Gilson Schwartz







Cientista social, pesquisador e economista, Gilson Schwartz tem 55
anos e atua como consultor do BID e no curso de finanças comportamentais
da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, FIPE. Trabalhou com
Henrique Meirelles e Guido Mantega, tanto como economista-chefe quanto
como assessor.


No dia 4 de janeiro, o Banco Central da China corrigiu o iuane, sua moeda, para o menor patamar em quatro anos e meio.


O ajuste de 0,6% foi realizado no primeiro dia útil de 2016 e tornou
as exportações mais baratas para o mercado americano, enquanto a
importação de bens e produtos ficou mais cara para o consumidor chinês. A
reação imediata às correções foi uma queda abrupta de 7% nas bolsas
chinesas de Xangai e Shenzhen.


O investidor George Soros afirmou durante um evento no Sri Lanka que a
situação atual dos mercados globais tem fortes semelhanças com a crise de 2008. Para a mídia brasileira, a culpa é do governo Dilma Rousseff.


O DCM conversou com Gilson Schwartz sobre a crise.


Críticos do ex-ministro Joaquim Levy diziam que seu remédio
estava exagerado. Os defensores dele afirmaram que Mantega e os
“economistas de Campinas” corroeram o crescimento econômico brasileiro, à
la Roberto Campos. Quem estava certo?



Acho que fomos levados, com a triste contribuição de alguns colegas
economistas, a uma espécie de guerra civil de abaixo-assinados que em
nada enobrece a história do pensamento econômico brasileiro. Mas todo
mundo sabe que só o Brasil é assim.


Aqui os economistas vivem em estado permanente de guerra civil, de
Fla-Flu, pra falar sobre a crise global e da brasileira. Eles agem
talvez como palmeirenses e corintianos. Se existe um nome que me parece
notável e que deve ser mais ouvido é o do ex-tucano Bresser Pereira. Ele
nos alertou para a doença holandesa e batalha por uma visão de
convergência entre estruturalistas e conjunturalistas.


Como sempre, tem gente com razão à esquerda e à direita. Acho que até
dentro de cada um de nós. Somos mais “divíduos” que “indivíduos” na
economia.


Recentemente, as bolsas chinesas registraram queda de 7% e
viraram manchete na imprensa. A mídia brasileira não comentava a
influência exterior ou só agora ela é séria?



Fico imaginando se o Mao Tsé-Tung reencarnasse e abrisse o jornal
Financial Times de repente: Bolsa da China coloca em risco o mundo
capitalista! Acho que ele morreria pela segunda vez, mas de infarto.


O chiste, no entanto, ajuda a revelar o quanto de midiático e
especulativo há nas manchetes que associam o “fim do mundo” aos colapsos
e pânicos típicos dos comportamentos de manada de curto prazo que
imperam nos mercados de capitais globalizados. A China está testando os
limites de inserir sua economia de forma ainda mais orgânica no sistema
global, a ponto de colocar sua moeda em posição de conversibilidade e
referência no financiamento internacional.


O que está em curso é a montagem do banco que tem participação
brasileira e dos conhecidos BRICS. Curiosamente, na mesma semana em que
houve o “colapso da China”, foram anunciadas contratações milionárias de
jogadores brasileiros de futebol pelos chineses. Várias empresas
chineses e asiáticas ampliaram sua presença no Brasil entre 2015 e 2016.
Aconteceu aqui, na África e em toda parte.


Há um rearranjo de fluxos produtivos e financeiros em curso,
novamente liderado pela economia norte-americana. O Brasil e o setor
financeiro do país podem desempenhar papel importantíssimo nessa nova
ordem que se recompõe em cima da velha cleptocracia, roubalheira,
global.


As novas tensões da Coreia do Norte somadas com crise na
Síria e no mercado de petróleo tendem a estancar o crescimento mundial e
as bolsas?  E a situação do Brasil nessa?



A crise do petróleo e de toda a matriz energética, social e política
construída ao longo de décadas no mundo inteiro ilumina o palco onde se
desenrolam essas várias crises no Oriente Médio, na Ásia e na América
Latina. É de fato uma mudança ambiental, geopolítica, energética e
financeira de grande alcance.


O Brasil tem sido e continuará sendo respeitado como participante
nesse jogo global. Feita a lição de casa, continuamos com todas as
questões estruturais favoráveis anteriores à crise financeira local e
global que remonta a 2008. Mas fizemos o ajuste, e a economia
norte-americana voltou a crescer. Nossa economia é mais naturalmente
candidata, na América Latina, a receber os benefícios dessa retomada.


A crise econômica de fato se agravou com o cenário global ou
vivemos uma recuperação com um Congresso emperrado que está paralisando
os indicadores?



A essa altura do campeonato, a melhor metáfora para a crise talvez
seja o termo “buraco negro”. As causalidades múltiplas definem o cenário
como complexo, ou seja, está além do conceito tradicional de
desequilíbrio. Lá atrás, há três, quatro anos, houve a geração
keynesiana de medidas de enfrentamento da crise.


Era viável no horizonte temporal de um a três anos “pedalar” a crise e
esperar a retomada norte-americana. Quem fez esse cálculo, acertou. A
crise hoje é mais complexa, global, beira o caos em momentos de
migrações humanas inauditas e fragmentação do mundo do século 20, aquele
dominado pelo complexo militar-industrial petroleiro. Afeta o
“equilíbrio” de forças e o acesso a energia no século 21. Mas colocando o
foco na economia brasileira e indo além do fla-flu em torno do tamanho
do desequilíbrio, que é fiscal, inflacionário, financeiro e social, quem
apostou no Brasil vai ganhar muito.


O Congresso faz parte da complexidade política brasileira e global,
indissociável dos realinhamentos geopolíticos que a retomada
norte-americana já impõe ao continente latino-americano. Esse
alinhamento na guerra global contra o terrorismo, pela proteção
ambiental e dos direitos humanos está definindo novas agendas que se
sobrepõem às clássicas disputas por território, energia e tecnologia.


A principal mudança que os partidos finalmente começam a entender é
no plano das comunicações. É uma transformação global nos modelos de
atuação política e formação de consensos.


No curto prazo, descontada a gritaria ideológica, o Brasil fez a lição de casa, em condições políticas das mais adversas.


O que o senhor achou da escolha de Nelson Barbosa como titular da Fazenda no lugar de Joaquim Levy?


A nova gestão na Fazenda-Banco Central vai continuar honrando a
bíblia do ajuste fiscal e da responsabilidade monetária, porém evitando o
sacrifício das políticas de ajuste estrutural em vários setores da
economia. As condições deste ajuste dependem da evolução do quadro
internacional, que é complexo. Mas, para o Brasil, o “timing” do ajuste
draconiano afinal se revelou perfeito: a economia norte-americana vai
liderar um novo ciclo de expansão global e o Brasil é uma das mais
destacadas promessas do cenário energético, ambiental e cultural do
século 21.









Objetivamente e com os aplausos do mercado, sem necessidade de nova
“Carta aos Brasileiros”, a gestão Levy fez o trabalho politicamente
árduo de comandar a desconstrução do keynesianismo de curto prazo. O que
incomoda muita gente é a vitória do keynesianismo estruturalista, de
longo prazo, que soube alertar para o perigo da apreciação cambial e
apontar para os compromissos históricos do Estado nacional na promoção
do desenvolvimento social, econômico e tecnológico brasileiros.


O Brasil já adotou as medidas e a agenda de correção de
desequilíbrios que respeita o consenso anterior, o “status quo”. É
responsável do ponto de vista financeiro, fiscal, cambial, inflacionário
e socioambiental, ainda que o processo de correção dos desequilíbrios
tenha apenas começado.


Sem abandonar essa agenda estruturalista, é preciso respeitar a
lógica do ajuste conjunturalista, com suas perversidades e
complexidades. A questão fundamental é saber se o governo e a nova
equipe econômica fazem a ponte entre as lógicas de curto e de longo
prazo. E no caminho, o grupo faz o “mea culpa” e introduz ainda mais
melhorias na máquina pública de apoio ao desenvolvimento econômico e
social.


O mercado financeiro, citando como exemplo instituições como a
Eurásia, diz que a saída ou não saída de Dilma não mudam o quadro
econômico. Qual a sua opinião sobre isso?



Acho que, sem impeachment, a base política será rapidamente
recomposta na medida em que os sinais de que o ajuste econômico
funcionou ganhem o noticiário e, claro, impactem os milhões de
desempregados e eleitores que sofreram o bafo quente do desamparo. Uma
presidenta capaz de fazer o ajuste e manter compromissos de longo prazo
terá enorme capital político para influenciar sua própria sucessão e
entrar na história.


O agravamento da crise é o triunfo de uma visão pessimista e imediatista na economia?


Sou o primeiro a acreditar nos efeitos midiáticos e da “visão”, do
“mood” dos mercados, no funcionamento da economia. Mas não há como negar
que a radicalização dos pessimistas, que eu chamo de histéricos, teve
lá suas razões. A crise política e de segurança púbica é real. A onda
conservadora é real. A diluição do projeto nacional é evidente. Só que a
insatisfação de quem é mais informado e conectado é inédita. Os
pessimistas também são pós-modernos.


Recentemente o Bradesco comprou o HSBC por US$ 5,2 bilhões,
mais de R$ 17 bilhões. O setor bancário do Brasil está blindado na
crise?



Esses números falam da imponência do setor financeiro brasileiro, mas
também da própria economia brasileira. O setor não está blindado, mas
ele é maior que a crise, assim como a nossa economia como um todo. O
mesmo não se pode dizer das coalizões políticas em jogo.


O senhor acredita que a recessão vai se prolongar até 2017?


Em março, ao lado de Marcelo Petersen Cypriano, vamos apresentar na
FIPE nosso cenário de saída da recessão ainda em 2017. Estamos
finalizando os números e vamos abrir o modelo aos interessados. Tenho
defendido essa visão totalmente contra a corrente há pelo menos um ano.
Nós vamos demonstrar com números as razões do nosso otimismo sem
euforia.


O senhor pesquisa e faz um trabalho sobre a Iconomia,
processos econômicos de trocas que envolvem o meio digital e outras
formas de valor monetário. Como trabalha atualmente esses conceitos?



Estamos há vários anos desenvolvendo na USP modelos de educação financeira, com uso de games e tecnologias digitais. O Portal da Juventude
é uma parceria com o laboratório Cidade do Conhecimento, que teve
início em 2015. Há um foco na formação de jovens empreendedores com foco
em serviços e economia criativa, inclusive criação de games e outros
aplicativos.Num mundo onde nossa taxa de câmbio não tem viés consumista,
faz sentido investir na capacitação da juventude para atuar no mercado
digital global. É a nossa versão local de keynesianismo digital.


Você tem que separar claramente o que é informação do que é
especulação. É fato a existência da piora da crise, a subida da inflação
e o aumento do desemprego. Especula-se a projeção dos relatórios de
instituições financeiras. É bem simples e ajuda muito a reconhecer e
respeitar a dimensão afetiva do noticiário. Afinal, a realidade política
é feita de afetos, valores e interesses.

domingo, 3 de janeiro de 2016

O mito da estabilidade monetária, por André Araújo

O mito da estabilidade monetária, por André Araújo














 
 










Por André Araújo


O MITO DA ESTABILIDADE MONETÁRIA - O Plano Real de 1994 construiu o telhado da casa sem fazer as paredes.


A montagem da estabilidade através de fórmulas de conversão não
desmontou os buracos negros da Constituição de 1988, COMO A AUTONOMIA
FINANCEIRA COM DINHEIRO PÚBLICO, COISA QUE NÃO HÁ NO PLANETA,
beneficiando o Congresso, o Poder Judiciário, o MP, universidades,
corporações e programas que têm direito a um pedaço do Orçamento sem
necessidade de prestar contas a outro Poder.


AUTONOMIA é para as funções, não é para o dinheiro publico mas aqui
se confundiu o que é autonomia de uma Instituição, o Tesouro entrega
cheques da verba total e quem recebe faz o que quer com o dinheiro,
geralmente 100% vai para salários, mordomias, vantagens, benefícios,
dentistas, Hospital Sírio Libanes, para o funcionário e toda a familia,
até a mãe da sogra.


Esses imensos dispendios  forçosamente trariam a inflação de volta
como MECANISMO DE AJUSTE de um modelo que matematicamente faz as
despesas superarem as receitas por causa da estabilidade.


No tempo da inflação, todo mês a arrecadação subia e a despesa não, era corroída pela inflação.


No conjunto do ideário do Plano Real venderam vários dogmas falsos.


1. "A estabilidade é uma conquista da sociedade". Não. A estabilidade
é uma conquista dos RENTISTAS , aqueles que detém ESTOQUE DE MOEDA.
Para estes a estabilidade é essencial, para quem vive de salário não. Os
pregadores da estabilidade, todos alinhados à escola monetarista que
eleva a santidade da moeda acima de qualquer outro valor, diziam "o
trabalhador recebia um salário e durante o mês ele era corroído pela
inflação". Falso. O trabalhador recebia o salário no dia 5 e no dia 6
toda a compra do mês para a casa já estava feita, assim como material de
construção, ele NÃO guardava dinheiro no bolso para ser corroído pela
inflação, o trabalhador brasileiro nunca foi o imbecil que esses
economistas imaginam, ele sabia que precisava aplicar o salário
imediatamente em bens de necessidade de sua casa.



De 1946 a junho de 1994 o Brasil NÃO teve estabilidade monetária,  48
anos de inflação, duas gerações de trabalhadores,25 milhões de casas
foram construídas nesse periodo nas PERIFERIAS das metrópoles
brasileiras, como? Comprando lotes de terreno a prestação e a cada mês
material de construção, depois faziam a casa sob sistema de mutirão.


O trabalhador brasileiro se virou perfeitamente bem sob inflação, ele de forma intuitiva sabia se proteger da inflação.


2. A estabilidade da moeda é FUNDAMENTAL para os rentistas. Todos os
economistas do REAL vivem de administrar fortunas de rentistas, nunca
houve uma concentração de capital financeiro no Brasil como ocorreu APÓS
O PLANO REAL, que possibilitou a formação de imensas reservas de
liquidez geridas pelos economistas da escola do monetarismo, todos
ficaram milionários com escritórios de "asset management", negócio que
depende de moeda estável para existir.


Com a atual crise os RENTISTAS nada perdem, desde que os juros se
mantenham altos,  ao contrário, ganham mais do que sem crise. Com a
crise ATIVOS FICAM MAIS BARATOS, quem tem dinheiro líquido pode comprar
imóveis a preço de liquidação, o dinheiro aplicado a cada mês engorda
com os juros e os ativos reais tem o preço no chão porque a economia
está parada.


3. A inflação não é sempre ruim, pode ser necessária para reativar a
economia e aguar o endividamento do Estado, das empresas e dos cidadãos.
A inflação é um método de AJUSTE da economia interna, assim como a
DESVALORIZAÇÃO DA MOEDA é um metodo de AJUSTE DO CÂMBIO, tornando as
exportações mais competitivas.


4. Há mecanismos testados para derrubar a inflação causada por
excesso de demanda , é um processo relativamente simples, baseado no
Plano alemão de 1923 (Plano Schacht) que foi o mesmo modelo usado no
Plano Real.


MAS NÃO HÁ MECANISMO PARA ACABAR COM UMA RECESSÃO, não se descobriu ainda.


5. Entre INFLAÇÃO E RECESSÃO, esta última é infinitamente pior. Ambas
são desequilíbrios da economia mas a RECESSÃO causa desemprego, a
inflação não. Então é melhor tolerar inflação COM EMPREGO do que
recessão SEM EMPREGO.


Com emprego o trabalhador se vira mesmo com a inflação, mas não há como se virar sem emprego.


6. A operação de um programa anti-recessão no Brasil pode ser
executado COM GRANDES INVESTIMENTOS EM INFRAESTRUTURA, só um programa de
saneamento pode absorver 600 a 700 bilhões de Reais, o Brasil tem
índices pavorosos de falta de saneamento. Não tem dinheiro? Claro que
há, basta inverter a política do Banco Central, ABANDONAR as metas de
inflação, começar a resgatar a dívida pública com emissão de moeda e
financiar um super PAC para infraestrutura, aliás os projetos já
existem, o que não há é dinheiro para executá-los, dinheiro cria-se com
emissão de moeda. Para resgatar a dívida pública basta baixar os juros
de 14,5% para 7%, os rentistas não renovam e a dívida vai sendo paga,
aumenta de imediato a liquidez da economia e os rentistas vão procurar
negócios para investir, o juro já não compensa.


É essencial reavivar a FIRCE do BC, o controle de cambio, para não
haver fuga de dinheiro para o exterior, mecanismo PERMITIDO pelas regras
do FMI em circunstâncias de crise. Hoje é uma aberração, os próprios
bancos fazem o controle de câmbio, o Banco Central, irresponsavelmente
desde 2013, por uma Circular abriu mão de controlar o câmbio, já escrevi
aqui um artigo sobre essa leviandade, um País no nível da economia que
temos não pode deixar o câmbio solto.


E o mais interessante é que pouca inflação ocorrerá PORQUE HÁ
ABUNDÂNCIA DE OFERTA DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO E MÃO DE OBRA, há muita
capacidade ociosa no setor e nova demanda não pressionará preços. O que é
preciso é coragem, determinação e cara feia para enfrentar o sistema
financeiro e ir pagando a dívida,  eliminando a absurda conta de juros
da dívida pública QUE EM 2016 chegará a 500 BILHÕES DE REAIS para nada,
dinheiro que vai engordar os rentistas QUE NÃO VÃO INVESTIR NADA NO
BRASIL, provavelmene esses juros vão direto para o Exterior.


Evidentemente será preciso trocar toda, sem exceção, a Diretoria do
Banco Central, todos pro-rentistas e colocar outro time, com outra visão
de País e de economia, manda-se de volta para o Canadá o Diretor da
Área Externa, para nós não serve, aliás ele é o campeão  do time que
quer AUMENTAR os juros ainda mais na próxima reunião do COPOM.


A economia está em CRISE porque ninguém tem a ousadia de agir para
combater a crise, todos esperam que a crise desapareça por encanto,
sozinha e isso nunca vai acontecer. O Presidente Hoover em 1933 também
achava que a Grande Depressão iria acabar sozinha, precisou vir
Roosevelt com Keynes a tiracolo para fazer exatamente isso, JOGAR
LIQUIDEZ NA ECONOMIA e um grande programa de obras para começar a acabar
com a recessão pavorosa.