quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Moro não quer ser chamado de Savonarola. E de Vidigal, pode?

Moro não quer ser chamado de Savonarola. E de Vidigal, pode? - TIJOLAÇO | “A política, sem polêmica, é a arma das elites.”



Moro não quer ser chamado de Savonarola. E de Vidigal, pode?

vidigal


Ontem, na Folha,
Rogério Cézar de Cerqueira Leite,  professor emérito da Unicamp e uma
das glórias da ciência brasileira escreveu artigo na Folha onde traçava
um paralelo entre as ações de Sérgio Moro e as de Jerônimo Savonarola,
 poderoso religioso da Florença medieval que escreveu um Compendium revelationum, em que associava a corrupção do clero com um dilúvio de pecados e libertinagem e derrubou os Médici florentinos.


Cerqueira Leite lembra que, ” após ter abalado o poder dos Médici em
Florença, é atraído ardilosamente a Roma pelo papa Alexandre 6º, o
Borgia, corrupto e libertino, que se beneficiara com o enfraquecimento
da ameaçadora Florença” e em seguida desmoralizado e levado à fogueira.


Hoje, Moro se insurge e diz que publicações como a do professor
“deveriam ser evitadas” (uau! Temos um reitor do que deve ou não ser
publicado!).


De tanto exercitar sua famosa “cognição sumária”, o o Dr. Moro talvez
já não saiba o que é uma metáfora. E talvez até se aborreça, o
nosso  São Jorge contra o dragão da corrupção, se alguém, por isso,
chamá-lo de capadócio.


Então, para reparar a injustiça da qual reclama,  publico outro
artigo em que se busca um personagem para metaforizar sua cruzada, numa
figura bem menos medieval, a do Major Vidigal, com a qual ele talvez
tenha travado contato nos bancos escolares, naquelas leituras de Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antonio de Almeida:


“O major Vidigal era o rei absoluto, o
árbitro supremo de tudo que dizia respeito a esse ramo de
administração; era o juiz que dava e distribuía penas e, ao mesmo tempo,
o guarda que dava caça aos criminosos; nas causas da sua justiça não
havia testemunhas, nem provas, nem razões, nem processos; ele resumia
tudo em si (…)”.
O artigo foi escrito por uma leitora, a quem  chamarei de A.Y.,
esperta como o próprio Manuel Almeida, que só foi ter seu nome no texto
clássico em 1863, depois de sua morte.


O Vidigal do Golpe

Tem-se
escrito muito sobre a figura do juiz Moro, o moralista.  Fala-se até
que sua biografia foi comprada por aquele que tornou visível o capitão
Nascimento, filme que prenuncia o estado policial no qual estamos
atolados.
Muita tinta para nada.
Na
discussão entre moral e política, que seria interminável se nos
dedicássemos seriamente ao assunto, diríamos apenas que elas estão
implicadas irreversivelmente, não há política sem  moral.
O
jogo de poder depende intrinsecamente do julgamento que se faz do ator e
do ato político. Não fosse assim, os meios de comunicação não nos
imporiam figuras desprezíveis de coroneizinhos sem nenhuma expressão,
que bastaria olhar para eles, se tivéssemos alguma autonomia no nossa
forma de ver, para saber que governarão e legislarão para tornar ainda
mais difícil a vida da população.
O poder da mídia se baseia em determinar o que e  como devemos olhar.
Mas,
voltemos a nosso Vidigal atual. Explico: Moro está longe de ser um
“moralista”, mesmo um falso Savonarola que será desprezado pelas classes
dominantes logo que ela conseguir o que quer. Sequer é um tartufo, pois
este tem o dispendioso trabalho de enganar suas vítimas, correndo o
risco de ser desmascarado a qualquer momento. Moro escancara a
ilegalidade de suas ações faz já algum tempo. Não se dá o trabalho de
ocultar nada.
De
vez em quando joga um ossinho tucano para a patuleia  do resto do
judiciário (incluindo o STF) e da população de má-fé se sentirem
reconfortados.
Moro é o Vidigal de Memórias de um sargento de Milicias, um zé-ninguém com muito poder sobre o povo e nenhum sobre os que estão por cima da carne seca.  
A
literatura nos brindou com personagens ridículos memoráveis dos agentes
da lei.  Balzac era impiedoso com a polícia. Manuel Antônio de Almeida,
 com uma inteligência política e satírica  inigualável, mistura na
figura de Vidigal o Juiz, o policial e o carrasco. Os Moros-Vidigais são
figuras constantes na história e sociedade brasileiras. Almeida,
observador arguto, não inventa do nada este sinistro e ridículo
personagem.
Outra característica fundamental dos Moros-Vidigais e seus Dallagnols
milicianos é que em sua sanha com os Leonardos da vida está impresso o
seu profundo sentimento de vira-lata, que evidencia a todo instante que
não passam de pobres-diabos, paus-mandados que nunca chegarão à
instância superior que os comanda.
Neste sentimento de espinha dobrada podemos incluir a toda a elite brasileira que considera que nasceu no lugar errado. O Del Rey
(entenda-se os Estados Unidos) os premia com vantagens pecuniárias  e,
principalmente,  com galardões que são até bastantes costumeiros. Nos
casos em que os serviços são mais considerados, se outorgam títulos de
Doutor
Honoris Causa (que é também ridículo, mas numa outra classificação), os prêmios não se limitam à pequena regalia de meras conferências.
Moro
 está longe de pertencer à categoria pela qual o patrão tem alguma
consideração, apesar de seu serviço ter sido fundamental para o império,
é apenas serviço sujo. Esses afagos simbólicos trazem a ilusão a estes
homenzinhos de que são alguma coisa. Não passam de Vidigais que, ao
enquadrar as pessoas de bem que se lhes opõem, escancaram as portas às
verdadeiras raposas que atacam o galinheiro.
Aliás, está errado separa-los, fazem parte do mesmo grupo. Mani pulite sobre o Judiciário é o que o Brasil está precisando com extrema urgência.
Seria cômico se não fosse trágico. Pensando melhor, é apenas patético.
O que
nos resta? Por enquanto, rir bem alto, como fez Manuel Antônio de
Almeida, do ridículo Vidigal atual e todos seus milicianos, inclusive os
togados.

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