sábado, 29 de outubro de 2016

Governo discute cobrar INSS de aposentados, mas protege ricos de taxação

Governo discute cobrar INSS de aposentados, mas protege ricos de taxação



Governo discute cobrar INSS de aposentados, mas protege ricos de taxação

Leonardo Sakamoto

Se
a equipe responsável por desenhar a Reforma da Previdência confirmar
que o governo federal deve propor a possibilidade de cobrança de
contribuição ao INSS de todos os aposentados, teremos algumas
comprovações – isso, é claro, se ainda restar um país depois dos
protestos causados pela aprovação dessa medida.

Primeiro, ficará
comprovado que o governo Michel Temer acha que desiguais, ricos e
pobres, devem ser tratados de forma desigual. Não como deveria ser, com
os trabalhadores sendo mais protegidos pelo Estado por sua condição de
vulnerabilidade econômica e social. Mas com as pessoas que dependem do
INSS mensalmente para sobreviver, ou seja, a camada mais pobre da
sociedade, tendo que voltar a contribuir com a Previdência para ajudar
nas contas do país.

Enquanto isso, o governo evita discutir a
taxação de dividendos recebidos de empresas (como acontecia antigamente e
como é feito em todo o mundo), a fazer uma alteração decente na tabela
do Imposto de Renda (criando novas alíquotas para cobrar mais de quem
ganha muito e isentando a maior parte da classe média), a regulamentar
um imposto sobre grandes fortunas e aumentar a taxação de grandes
heranças (seguindo o modelo norte-americano ou europeu).

Isso
poderia ajudar o caixa da Previdência e serviria como política de
redistribuição ao mesmo tempo, o que é sempre bem vindo em um país
concentrador de riqueza como o Brasil. Mostraria também que somos uma
democracia de verdade, com o chicote estalando no lombo de ricos e
pobres.

Segundo, mostrará que o governo utiliza-se de malabarismos
semânticos e lógicos para tentar justificar o injustificável. Segundo
os estudos em curso, trazidos à tona em matéria da Folha de S.Paulo,
deste sábado (29), o trabalhador que recebe bruto um salário mínimo
quando está na ativa sofre o desconto do INSS. Então, pela lógica da
equipe de Temer, ele deveria ser continuar sendo descontados e receber o
mesmo valor quando aposentado e não o valor cheio.

Não importa
que os gastos extras com saúde de uma pessoa idosa sejam maiores que de
uma pessoa jovem e saudável. Não importa que a pessoa não receba mais
FGTS ou tenha acesso a benefícios dos trabalhadores da ativa. O que
importa é o cálculo nominal, frio e desumanizado. O valor de R$ 70,40
pode não representar nada para governantes e magistrados que discutem
hoje a redução de direitos. Mas para quem recebe uma merreca de
aposentadoria de R$ 880,00 pode ser a diferença em ter dignidade ou não.

Por
fim, o governo Michel Temer, com esses estudos e balões de ensaio,
segue mostrando que acha que o Brasil é um grande escritório com ar
condicionado.

Um dos objetivos da Reforma da Previdência é manter
os trabalhadores no mercado de trabalho. Usa para isso a justificativa
que a expectativa de vida aumentou, a população mais jovem diminuiu e é
necessário alterar as leis para garantir que aposentadorias continuem
sendo pagas – o que não discordo de uma maneira geral.

Para isso,
querem uma idade mínima de 65 anos para a aposentadoria. Aí reside o
problema. Normalmente quem defende a imposição dessa idade somos nós,
jornalistas, cientistas sociais, economistas, administradores públicos e
privados, advogados, políticos. Pessoas que não costumam carregar sacos
de cimento nas costas durante toda uma jornada de trabalho, cortar mais
de 12 toneladas de cana de açúcar diariamente, queimar-se ao produzir
carradas de carvão vegetal para abastecer siderúrgicas e limpar pastos
ou colher frutas sob um sol escaldante. Afinal de contas, o que são 65
anos para nós, que trabalhamos em atividades que nos exigem muito mais
intelectualmente?

Diante da incapacidade de se colocar no lugar do
outro, do trabalhador e da trabalhadora que dependem de sua força
física para ganhar o pão, no campo e na cidade, esquecemos que seus
corpos se degradam a uma velocidade muito maior que a dos nossos. E
a menos que tenham tirado a sorte grande na loteria da genética, eles
tendem a ter uma vida mais curta (e sofrida) que a nossa. Aos 14 anos,
muitos deles já estavam na luta e nem sempre apenas como aprendizes,
como manda a lei. Às vezes, começaram no batente até antes, aos 12, dez
ou menos.

O ideal seria, antes de fazer uma Reforma da Previdência
Social, garantirmos a qualidade do trabalho, melhorando o salário e a
formação de quem vende sua força física, proporcionando a eles e elas
qualidade de vida – seja através do desenvolvimento da tecnologia, seja
através da adoção de limites mais rigorosos para a exploração do
trabalho. O que tende a aumentar, é claro, a produtividade.

Mas
como isso está longe de acontecer, o governo deveria estar discutindo o
estabelecimento de um regime diferenciado para determinadas categorias
nessa reforma para proteger os trabalhadores que se esfolam fisicamente
durante sua vida economicamente útil. O que não seria algo simples,
claro, pois em algumas delas os profissionais são levados aos limites e
aposentados não por danos físicos, mas psicológicos, chegando aos 60 sem
condições de desfrutar o merecido descanso.

É claro que o Brasil
precisa alterar os parâmetros de sua Previdência Social e mesmo
atualizar a CLT. O país está mais velho e isso deve ser levado em
consideração para os que, agora, ingresso no mercado de trabalho. Mas a
reforma da Previdência que vem sendo desenhada por Michel Temer sob a
benção de Henrique Meirelles ignora que há milhões de trabalhadores que
começaram cedo na labuta e, exauridos de força, mal estão chegando vivos
a essa idade.

Portanto, é um caso de delinquência política e
social que vem sendo aplaudido por setores e grupos para os quais R$
70,40 significa apenas o preço da caipiroska no almoço de sábado.

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