quinta-feira, 27 de outubro de 2016

É ilógico que o Congresso fique sujeito a um juiz de 1ª instância, e não ao STF

É ilógico que o Congresso fique sujeito a um juiz de 1ª instância, e não ao STF - 27/10/2016 - Janio de Freitas - Colunistas - Folha de S.Paulo

 

É ilógico que o Congresso fique sujeito a um juiz de 1ª instância, e não ao STF






O esbravejar de associações de juízes e de procuradores contra um protesto do presidente do Senado
não é, apenas, mais uma das tantas manifestações de corporativismo com
que tais categorias se privilegiam. A reação desproporcional teve também
a finalidade de depressa encobrir, com o barulho exaltado, uma ordem
judicial vista como abusiva. É dar as costas à democracia.


Nem por ser quem é, Renan Calheiros está impedido de ter, vez ou outra,
atitudes corretas. Se a forma como o faça for descabida, e no caso foi,
não é o sentido da atitude que deve pagar. Mesmo porque, se falarmos em
democracia, defender a soberania relativa do Congresso é tão democrático
quanto invadi-lo policialmente não é.





Ainda não consta, embora não falte muito, que os cidadãos –quaisquer
cidadãos –tenham perdido o direito de verificar se seus telefonemas, sua
correspondência, sua casa e trabalho, enfim, sua intimidade, estão
sendo violados. Mesmo a ordem judicial para a violação não cassa tal
direito, pois se é desconhecida do vigiado. E não só por ordem judicial
há violações à intimidade. É só constatá-lo nos anúncios de detetives
particulares e seu instrumental de violações remuneradas.





É inesquecível o caso criado por Gilmar Mendes quando, gravado em
telefonema no seu gabinete, acusou Lula de instaurar o estado policial.
Um escarcéu. Nelson Jobim foi à Câmara, com prospectos de uma
aparelhagem que o Exército comprara e, a seu ver, era a usada para
gravar Mendes. Logo se viu que Jobim só mostrara o que era, de fato, uma
propaganda na internet. E a gravação foi feita pelo próprio amigo
telefônico a quem o ministro do Supremo pedira, para sua enteada, um
emprego boca-rica no Senado.





Gravadores clandestinos do SNI foram encontrados por "varreduras" em
muitos gabinetes da ditadura. Fernando Henrique foi gravado manipulando a
"privatização" da Vale. Depois que Eduardo Cunha deixou a presidência
da Telerj, evidências de gravações clandestinas tornaram-se epidêmicas
no Rio. Até que foi descoberta, perto de uma instalação da FAB no
centro, uma central onde foram presos um ex-técnico da Telerj e um
sargento. Na Barra da Tijuca, foi localizada uma central chefiada por um
coronel. Em São Paulo, usar apelidos e metáforas era frequente em
muitos círculos. Nunca deixou de sê-lo por completo, mas mudou: agora é o
permanente. A insegurança no país, pela bandidagem ou pelos novos
poderes, torna as "varreduras" aconselháveis: hoje, até a palavra amigo é
associada a crime.





Fazer "varredura" é ilegal? Não. Ou sim, desde que direitos, vários,
ficaram à mercê do que pretenda um procurador ou um juiz das novas
forças – poucos, ainda bem. A conclusão deles, de que "as 'varreduras'
nas casas de três senadores e de um ex-presidente eram obstrução à Lava
Jato", carece de sentido. Ninguém está obrigado a se sujeitar à hipótese
de que esteja com suas conversas sob gravação. Impedir de ter a
intimidade violada clandestinamente não é obstrução ilegal. Além disso,
nem houve obstrução prática, por falta do que fosse obstruível.





Grampo ilegal foi posto na cela de Alberto Youssef por policiais
federais, em Curitiba. Alguns dos que faziam campanha nas redes contra
Dilma e o PT e pró-Aécio, o que hoje se pode ver como uma das primeiras
evidências da missão político-ideológica que tinham. Têm. Mas a gravação
clandestina e a propaganda ficaram nisso mesmo: certas ilegalidades são
mais legais do que a lei, a depender do policial, procurador ou juiz
que as cometa.





Como disse a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, "cada vez que um juiz é
agredido, eu e cada um de nós juízes é agredido". Sem ressalvas. Logo,
não importa o que o juiz faça. Calheiros fez pequena agressão verbal ao
juiz de primeira instância que mandou a PF apreender equipamentos do
Senados e prender quatro da Polícia Legislativa.





Se um congressista só pode ser processado e julgado pelo Supremo, no
mínimo é ilógico que o próprio Congresso fique sujeito a um juiz de
primeira instância, e não a decisões do Supremo. Ainda mais se a ordem é
de que a Polícia Federal, dependência do Executivo, arrebate bens
patrimoniais do Poder Legislativo.



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