terça-feira, 13 de setembro de 2016

Por que caíram os juros reais do mundo?

ANTÔNIO DELFIM NETO -




Por que caíram os juros reais do mundo? -


O esclarecimento das origens da crise que
vivemos levará muitos anos e ainda fará a alegria e o nome de
competentes acadêmicos que a ele se dedicarão. Há sérias dúvidas que
esses trabalhos produzirão um consenso dentro da profissão. Exatamente o
mesmo acontece com a crise dos anos 30 do século passado. Depois de
quase 90 anos, sua causa continua sendo alvo de controvérsias e, às
vezes, de grandes surpresas. A crise de 2008 foi precedida de
uma diminuição da volatilidade da atividade observada em muitos países
desenvolvidos, especialmente nos EUA, característica que recebeu o nome
de "a grande moderação". A redução da volatilidade do PIB e da taxa de inflação "pareciam" ter sido produzidos pelo mix de política econômica sugerido pelos avanços da ciência econômica.

Ela
caiu como uma bomba sobre a atividade da economia real que até hoje não
se recuperou plenamente. O comportamento dos bancos centrais revelou a
sua única preocupação de salvar o setor financeiro. Exatamente o setor
que - pelo mandato que têm de manter hígido o sistema de pagamentos -
deveria ter controlado para que não abusassem do excesso de alavancagem
que enriqueceu seus dirigentes a ponto de influenciar a distribuição de
renda dos EUA.

Ninguém sabe se a "grande moderação" foi
produto de mudança da estrutura produtiva, de uma melhoria da política
econômica informada pelo aperfeiçoamento da "teoria", ou pura "arte". Na
minha opinião a "sorte" exerceu, em qualquer caso, um papel importante!
A recuperação nos países desenvolvidos continua muito lenta e
titubeante: entre 2000 e 2007, a economia mundial cresceu à taxa média
anual de 4,8%; entre 2007 e 2009 (a crise), regrediu à taxa média de
-0,2%. Entre 2014 e 2016 (sete anos depois de "sair" da crise) a taxa
média será de apenas 1,7%, sem nenhuma projeção brilhante para 2017.

Talvez
o fenômeno mais intrigante do quadro atual é o comportamento da taxa de
juros real mundial de curto e longo prazos, que apresentam tendência
ligeiramente declinante desde os anos 80 do século passado e forte
declínio a partir de 2000, como se vê no gráfico 1 abaixo, acompanhando a
tendência da taxa de crescimento do PIB mundial.
Pesquisas empíricas mostram que a inclinação da curva de Phillips tem o
mesmo comportamento: cai rapidamente a partir de 1985 e depois se
estabiliza (NBER, W.P. 21726, nov. 2015, Blanchard, O. - Cerutti, E. -
Summers, L. "Inflation and Activity").

A queda da taxa de
juro real de cerca de 4,5 p.p. (de 5% nos anos 80 para alguma coisa
parecida com 0,5% hoje) não é fenômeno trivial. Foi saudado inicialmente
- sem ser explicado - como resultado da política econômica da "grande
moderação". Não pode, também, ser atribuído apenas a um excesso de
poupança que infeccionou as economias dos países desenvolvidos. Mesmo
nas economias emergentes (com a óbvia e triste exceção do Brasil), a
taxa de juro real vem caindo desde 2005, tendo revelado um pequeno
crescimento nos últimos 3 ou 4 anos.

É claro que, no nível
mundial (o mesmo que ocorre nas economias dos países), a poupança
"expost" (S) é sempre igual ao investimento (I) e com relação ao PIB (Y), sempre teremos S/Y= I/Y, qualquer que seja o nível de equilíbrio do PIB. Quando a propensão a poupar é maior do que a vontade de investir, o PIB cai para igualar S/Y com I/Y, e vice-versa. A variável de ajuste é o nível do PIB.
Ora, um dos fatos empíricos mais intrigantes é que S/Y = I/Y tem sido
aproximadamente constante no mundo (qualquer coisa como 23% a 25%) desde
os anos 80 do século passado (IMF, WEO abril/2016).

Compreender
com nossos pobres modelos neoclássicos esse fato exige que aceitemos
que houve mudança tanto na formação da poupança quanto na propensão a
investir, como se vê no gráfico esquemático nº 2. É preciso explicar por
que deslocaram-se para baixo a curva de poupança e a de investimento.

Quando
se explora essas causas, chega-se à conclusão que talvez a
probabilidade de substancial aumento das taxas de juros reais (devido a
problemas demográficos, aumento das desigualdades, redução dos
investimentos públicos, queda do crescimento do PIB
etc.) esteja num horizonte longínquo. Para o Brasil - se organizar suas
finanças - pode ser um momento de boas oportunidades para nossos
projetos de infraestrutura. Quem tiver curiosidade não deve perder
Rachel, R. - Smith, T.D. - "Secular drivers of the global real interest
rate", Bank of England, Staff Paper nº 571, 2015.

Antonio
Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda,
Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

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