domingo, 18 de setembro de 2016

Janio de Freitas

Procuradores da Lava Jato querem igualar provas a convicção e ilação - 18/09/2016 - Janio de Freitas - Colunistas - Folha de S.Paulo





Procuradores da Lava Jato querem igualar provas a convicção e ilação







A exposição acusatória feita por procuradores da Lava Jato contra Lula
foi um passo importante, como indicador do sentido que determinados
objetivos e condutas estão injetando no regime de Constituição
democrática.





O propósito da exposição foi convencer da igualdade de ilação, convicção
e prova, para servir à denúncia judicial e à condenação pretendidas
sem, no entanto, ter os necessários elementos comprobatórios.





Orientador do grupo de procuradores, Deltan Dallagnol expôs o argumento
básico da imaginada igualdade: "Provas são pedaços da realidade que
geram convicção sobre um quadro".





O raciocínio falseia. Provas dispensam a convicção, a ela sobrepondo-se.
Daí que o direito criminal atribua à prova o valor decisivo. A
convicção é pessoal e subjetiva. A prova é objetiva. A convicção deixou
no próprio Supremo Tribunal Federal uma evidência da sua natureza frágil
e da relação precária que tem com a Justiça.





Recém-chegado ao Supremo, Luís Roberto Barroso encontrou ainda o
julgamento do mensalão. Em uma de suas primeiras intervenções,
acompanhou uma decisão já definida mas, disse, não se sentia à vontade
para dar seu voto à outra: proposta pelo relator Joaquim Barbosa e já
aprovada, era a condenação dos réus petistas e vários outros, além do
mais, também por formação de quadrilha. Causou espanto. Dois ou três
ministros teriam apoiado a condenação por impulso ideológico ou
político. Os demais, considerado o seu hábito, votaram por convicção.





Barroso foi breve e simples na recusa de fundamento à condenação. O
espanto passou a insegurança. Mas foi só alguém rever o voto que dias
antes dera à condenação, logo seguiram-se os capazes de retirar da
sentença final a formação de quadrilha. Da qual não havia prova e tinham
sobrado convicções.





Em artigo na Folha (sexta, 16), Oscar Vilhena Vieira notou a
perplexidade decorrente de que as "grandes adjetivações" aplicadas a
Lula pelos procurados, "como 'comandante máximo' [da 'organização
criminosa'], não encontrem respaldo nas acusações formais presentes na
denúncia". O mesmo se pode dizer de afirmações como esta, de Dallagnol,
de que Lula "nomeou diretores PARA que arrecadassem propina" [maiúsculas
minhas]. E muitas outras do mesmo gênero.





De todas os integrantes da Lava podem ter convicção: é assunto de cada
um. Mas que de nenhuma apresentem prova, por limitada que seja, e ainda
assim busquem apoio emocional para sua "denúncia" vazia, fica claro que
trilham caminho à margem da Constituição. E não estão sozinhos, como
demonstra a tolerância conivente com sua escalada de abusos de poder,
sobre fundo político.





O século passado viu muitas vezes a que levam essas investidas. Não
poucos países viveram situações que ainda os levam à pergunta
angustiante: "como foi possível?". Aqui mesmo temos essa experiência:
como foi possível ao Brasil passar 21 anos sob ditadura militar? Em
nenhum desses países houve causa única. Mas em todos uma das causas foi a
mesma: os que deviam e podiam falar, enquanto era tempo, calaram-se por
covardia ou conveniência, quando não aderiram à barbárie pelos dois
motivos.





É de um ministro do próprio Supremo, Dias Toffoli, que vem rara
advertência para "o risco de que o Judiciário cometa o erro dos
militares em 64", se "criminalizar a política e exagerar no ativismo
judicial". Dias Toffoli fala em "totalitarismo do Judiciário".



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