quarta-feira, 21 de setembro de 2016

As elites agem politicamente para manter os juros altos? — CartaCapital

As elites agem politicamente para manter os juros altos? — CartaCapital



As elites agem politicamente para manter os juros altos?

Trabalho acadêmico mapeia a influência dos rentistas na manutenção das taxas em patamares elevados no Brasil

por Carlos Drummond



publicado
21/09/2016 03h58

Baptistão
Sindicalistas e rentistas
Raro momento de união durante encontro entre capital e trabalho contra os juros altos

A confirmação
pelo Banco Central, na quarta-feira 31, dos juros mantidos há mais de
um ano em 14,25% cristaliza o País como caso raro de estabilidade no
topo em um mundo com predominância de taxas zero, insignificantes ou
cadentes. À ineficiência econômica e ao exotismo da situação no contexto
internacional acrescenta-se outro recorde incômodo, o da maior taxa
real média nos últimos 19 anos. A situação foi identificada em uma
amostra de 11 países estudada por Thereza Balliester Reis e apresentada
em dissertação de mestrado em junho, na Universidade de Paris. 
À banca examinadora composta de representantes da
instituição francesa, da Berlin School of Economics and Law, da
Alemanha, e da Universidade Estadual de Campinas, a economista
demonstrou que os argumentos utilizados até hoje não explicam a contento
a taxa de juros real, pois o Brasil apresenta um efeito permanente muito superior ao verificado em outras economias.
Entre 1996 e 2014, período da estabilização da moeda
nacional, a taxa de juros real média foi de 14,3%, quase o dobro da
média mundial de 7,7%. A origem da anomalia, sugere a pesquisadora, é
política e consiste no poder crescente dos rentistas,
instituições e indivíduos com ganhos gerados pela condição de
proprietários de ativos para assegurar uma política monetária favorável
aos seus interesses.
A minha análise incluiu a queda da taxa real durante o governo Dilma e
a criação de uma oposição política que agregou os setores beneficiários
dos juros altos, integrados essencialmente por rentistas,
industrialistas que ganham com a financeirização e a classe trabalhadora
qualificada, que possui investimentos em fundos de pensão. A aliança
pressionou politicamente o governo pelo aumento da taxa e obteve seu
maior sucesso com a substituição de Guido Mantega por Joaquim Levy no Ministério da Fazenda”, descreveu a pesquisadora a CartaCapital.
A financeirização é a crescente
dependência das empresas em relação às aplicações no mercado financeiro,
alternativa à queda sistemática do retorno do investimento na sua
atividade principal. 
O resultado da financeirização, segundo vários autores, é a
fusão crescente de interesses entre rentistas convencionais e
capitalistas, com a ampliação do apoio às políticas de governo
responsáveis pela manutenção dos juros elevados.
Quando um país adota o regime de metas de inflação, diz a
economista, é possível argumentar que o seu banco central precisa
responder à aceleração dos preços com o aumento do juro para
derrubá-los. “O Brasil não tem, no entanto, uma inflação muito mais alta
que a de outras economias similares sob regime de metas.”
O grupo analisado inclui Chile, Colômbia, Indonésia,
México, Peru, Filipinas, Polônia, Tailândia, Turquia e África do Sul.
Entre 1996 e 2014, o Brasil foi o único com “generosa taxa de juros
acima de inflação no período todo, com o maior valor, de 24,68%, em
1998”. A taxa real mais baixa, de 0,54%, foi registrada em 2012, quando o
governo reduziu a taxa nominal para 7,25%. A compressão dos juros reais
para quase zero foi acompanhada por uma expansão significativa da massa
salarial, centro da oposição entre interesses de classe subjacentes às políticas monetárias. Economia_918.jpg
Tanto a ortodoxia quanto a heterodoxia
têm explicações para os elevados juros reais do País, mas não elucidam a
diferença gritante na comparação com aquelas de outras economias em
situação semelhante ou até pior, destaca a pesquisadora. Essa
constatação levou-a a medir as causas da taxa real por meio de análises
empírica e econométrica.
“Um aspecto importante não levado em
conta é que a classe rentista no Brasil tem um poder de barganha mais
forte que nos demais países, e essa é a principal razão para a
discrepância dos juros em relação a outras economias em desenvolvimento
sob o mesmo regime monetário.” 
 
A teoria do domínio da economia pelo rentismo é discutida por vários autores, no País e no exterior. “A hipótese da dissertação é de que as elites brasileiras agem politicamente para
manter os juros reais em um patamar elevado de maneira a garantir seus
lucros no topo”, destaca o economista Bruno Martarello De Conti, da
Unicamp, orientador de Thereza Reis.
“A análise da economia política
brasileira mostra que a financeirização da economia levou rentistas,
industrialistas, as classes trabalhadora, média e alta com investimentos
financeiros a assumir uma postura ambígua em relação à redução da taxa
real sustentada pelo Banco Central durante os anos de 2012 e 2013 sob a
‘nova matriz econômica’ do governo Dilma Rousseff.”
A diretriz foi, no início, apoiada por
industriais e sindicalistas reunidos no movimento por um Brasil com
baixas taxas de juros: mais empregos e mais produção, de curta
existência. Segundo o cientista político André Singer, a convergência
seria um dos principais motivos para a formação de uma oposição às novas
medidas econômicas, apesar de necessárias para aumentar o investimento, impulsionar o crescimento do PIB e o nível geral de emprego. 
O Brasil é refém da influência do rentismo na determinação
da taxa de juros, mas a situação não é imutável. “Elites como a da
agricultura exportadora são contrárias a essa política por causa da
valorização cambial que resulta da entrada de capitais e aos altos
pagamentos que devem ser feitos pelos empréstimos realizados”, destaca a
autora. O encaminhamento adotado pelo governo em 2012,
de reduzir o juro real para diminuir o poder daqueles que vivem da
renda de aplicações, tem pontos em comum com a situação definida na
literatura econômica como “eutanásia dos rentistas”.
Defendida por John Maynard Keynes, em
1936, e Larry Randal Wray, da Universidade do Missouri, em 2007, entre
outros, supõe que juros reais iguais a zero ou negativos inviabilizariam
o parasitismo financeiro e direcionariam o lucro para uso no capital produtivo.
“Assim, os baixos retornos aos aplicadores seriam eficazes
também em limitar o poder que eles têm sobre a política nacional”,
explica a pesquisadora. Para os economistas heterodoxos, “juros elevados
beneficiam os rentistas e prejudicam os trabalhadores e as indústrias”.
Aqueles promovem a adoção da política de metas de inflação “porque
visam inflação baixa para manter os preços dos seus ativos”. Economia2_918.jpg
A crescente independência
dos bancos centrais em relação à maioria da sociedade possibilita aos
rentistas dominar a elaboração de políticas econômicas em detrimento da
indústria e do trabalho, argumentam os economistas Gerald Epstein, da
Universidade de Massachusetts, e Demophanes Papadatos, da Universidade
de Londres, mencionados na dissertação.
A crise financeira de 2008 evidenciou,
nos países industrializados, a posição dos bancos centrais favorável
àquele grupo. Os BCs foram os principais condutores dos esforços dos
Estados para salvar as instituições financeiras por meio de operações de
mercado aberto e trocas de ativos tóxicos ou imprestáveis por títulos
públicos, com prejuízo, portanto, ao conjunto da sociedade. 
O próprio regime de metas teria de ser
revisto, defende o economista Luiz Fernando de Paula, professor da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro. “As evidências de que regimes
com metas de inflação têm melhores resultados são inconclusivas.”
Além disso, o Brasil é um dos poucos países a adotá-lo no ano-calendário.
“Muitos deles usam metas de dois anos. Há certa rigidez aqui.” Segundo
alguns cálculos, o setor financeiro tem o dobro do tamanho necessário ao
País e recebeu no ano passado perto de 500 bilhões de reais de juros da
dívida pública, na posição de maior credor. 
*Publicado originalmente na edição 918 de CartaCapital, com o título "Os colecionadores de moedas".

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