quinta-feira, 31 de março de 2016

O golpe de 1964 não foi um golpe

O golpe de 1964 não foi um golpe | Brasil 24/7



Emir Sader





O golpe de 1964 não foi um golpe





:





Os golpes nunca se dizem golpes, os golpistas nunca se fazem chamar
de golpistas. Há sempre vários tipos de nomes, pelos quais os golpistas
tentam disfarçar seu golpe.


Aqui mesmo o golpe de 1964 pretendeu se chamar "Revolução", que iria
acabar com a subversão e com a corrupção no Brasil. "Revolução", para
justificar o uso da força. Mas diziam que iriam salvar a democracia, que
estaria em perigo. Os jornais imediatamente reproduziram essa versão,
tanto O Globo, quanto O Estado de São Paulo, a Folha de São Paulo e os
outros: a democracia foi salva pelo movimento dos militares. Isso
justificaria os "excessos" que seriam cometidos.


O golpe de 1964 também disse que era um movimento legal, que defendia
a Constituição, contra os planos subversivos do presidente da
República. O presidente da Câmara, Ranieri Mazilli, assumiu, empossado
pelo presidente do Senado, Áureo de Moura Andrade, pelo "vazio de
poder", já que o presidente da República havia abandonado o palácio
presidencial em Brasília.


Acontece que tropas militares tinham se sublevado em Minas Gerais
contra o presidente legal do Brasil na noite anterior e deram inicio a
um plano golpista planejado há tempos, de tal forma que esse movimento
foi sucedido imediatamente por pronunciamentos dos chefes das várias
regiões militares do país de adesão ao golpe. João Goulart tentou apoio
no sul do pais, da mesma forma que o havia logrado em 1961, porque
estava deposto pelos militares golpistas.


Na sequência, os laranjas da época (Mazzilli e Moura Andrade, como
agora seriam Michel Temer e Eduardo Cunha) cederam o poder a quem havia
dado efetivamente dado o golpe – os militares. E desapareceram na poeira
da história, como estes de agora também desapareceriam, caso lograssem
dar o golpe.


Ser golpista, assim como ser de direita, é feio. Ninguém é golpista,
mesmo que planeje e dê um golpe, interrompa o processo democrático e
imponha uma ditadura. Ele sempre se pretende imbuído de uma missão
nobre: limpeza ética do país, combate à subversão, resgate da economia
dos riscos do estatismo.


As Marchas que ajudaram à desestabilização do governo assumiam os
valores que estariam em perigo: "Deus, família, propriedade". O direito à
crença religiosa e a existência mesmo de escolas religiosas, a
existência da família (com os fantasmas da guerra fria de que as
crianças seriam retiradas da família e mandadas estudar na URSS), a
propriedade, pelo riscos do Estado se apropriar de todos os bens das
pessoas.


Mesmo com a repressão imediatamente desatada – lembremos da imagem de
Gregório Bezerra, negro, nordestino, comunista, arrastado pelas ruas do
Recife amarrado a um jipe do exercito, para mostrar a sorte que
correriam os que ousassem enfrentar os golpistas -, a mídia não chamou o
golpe de golpe. A democracia foi destruída, instalou-se um regime de
ditadura militar, o Estado tornou-se o quartel general das FFAA para
controlar o país e reprimir tudo o que caracterizassem como subversivo. O
Legislativo e o Judiciário foram depurados sucessivamente dos seus
membros, o poder foi controlado completamente pelos altos mandos das
FFAA. Todo tipo de violência e de arbitrariedade foi cometido pelo
regime militar.


Mais tarde o nome de golpe militar foi se generalizando no lugar do
de "Revolução" e a palavra "golpe" ganhou conotações claramente
negativas. A ponto que O Globo, na parodia de autocritica, e A Falha,
quando tentou passar a ideia de que o que teria havido seria uma
"ditabranda", usaram explicitamente a palavra golpe.


Golpe é a ruptura do processo democrático por vias não previstas pela
Constituição. A ditadura de 1964 passou a decretar atos institucionais,
que se sobrepunham à Constituição. A democratização demandou uma nova
Constituição para o país.


O movimento golpista atual pretende interromper o processo
democrático, tirando do governo a uma presidenta eleita pelo voto
popular, sem nenhum crime de responsabilidade. Uma ação abertamente
golpista. Mas, como todo golpe, ele não gosta de ser chamado de golpe,
os golpistas não querem ser chamados de golpistas.


Os golpistas de 1964 tampouco queriam ser chamados de golpistas, o golpe de 1964 não seria um golpe.


Aquele, como este, tem tudo de golpe: cara, jeito, ação, projeto. Só
não aceita o seu verdadeiro nome: golpe. Não querem aparecer e oposição
ao que querem destruir: a democracia.

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