domingo, 20 de março de 2016

“Moro simplesmente deixou de lado a lei.

“Moro simplesmente deixou de lado a lei. Isso está escancarado”, diz ministro do STF sobre vazamentos « Sul21



“Moro simplesmente deixou de lado a lei. Isso está escancarado”, diz ministro do STF sobre vazamentos






Marco Aurélio: "Não se avança culturalmente, atropelando a ordem jurídica, principalmente a constitucional". (Foto: Nelson Jr ./SCO/STF)
Marco
Aurélio: “Não se avança culturalmente, atropelando a ordem jurídica,
principalmente a constitucional”. (Foto: Nelson Jr ./SCO/STF)
Marco Weissheimer




Nas últimas semanas, Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo
Tribunal Federal, tem erguido a voz contra o que considera ser um
perigoso movimento de atropelo da ordem jurídica no país. Em recentes
manifestações, Marco Aurélio criticou a flexibilização do princípio da
não culpabilidade, e a liberação para a Receita Federal do acesso direto
aos dados bancários de qualquer cidadão brasileiro. Na semana passada, o
ministro criticou a conduta do juiz Sérgio Moro, no episódio do
vazamento do conteúdo das interceptações telefônicas, envolvendo o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta Dilma Rousseff.


Em entrevista concedida por telefone ao Sul21, Marco Aurélio fala
sobre esses episódios e critica a conduta de Sérgio Moro: “Ele não é o
único juiz do país e deve atuar como todo juiz. Agora, houve essa
divulgação por terceiro de sigilo telefônico. Isso é crime, está na lei.
Ele simplesmente deixou de lado a lei. Isso está escancarado. Não se
avança culturalmente, atropelando a ordem jurídica, principalmente a
constitucional”, adverte.


Sul21: Considerando os acontecimentos dos
últimos dias, como o senhor definiria a atual situação política do
Brasil? Na sua avaliação, há uma ameaça de ruptura constitucional ou de
ruptura social?



Marco Aurélio Mello: A situação chegou a um patamar
inimaginável. Eu penso que nós precisamos deixar as instituições
funcionarem segundo o figurino legal, porque fora da lei não há
salvação. Aí vigora o critério de plantão e teremos só insegurança
jurídica. As instituições vêm funcionando, com alguns pecadilhos, mas
vêm funcionando. Não vejo uma ameaça de ruptura. O que eu receio é o
problema das manifestações de rua. Mas aí nós contamos com uma polícia
repressiva, que é a polícia militar, no caso de conflitos entre os
segmentos que defendem o impeachment e os segmentos que apoiam o
governo. Só receio a eclosão de conflitos de rua.


Ministro Marco Aurélio durante sessão plenária do STF. Foto: Carlos Humberto/SCO/STF
Ministro Marco Aurélio durante sessão plenária do STF. Foto: Carlos Humberto/SCO/STF
 Sul21: Algumas decisões do juiz Sérgio Moro vêm
sendo objeto de polêmica, como esta mais recente das interceptações
telefônicas envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a
presidenta Dilma Rousseff. Como o senhor avalia estas decisões?



Marco Aurélio Mello: Ele não é o único juiz do país e
deve atuar como todo juiz. Agora, houve essa divulgação por terceiros
de sigilo telefônico. Isso é crime, está na lei. Ele simplesmente deixou
de lado a lei. Isso está escancarado e foi objeto, inclusive, de
reportagem no exterior. Não se avança culturalmente, atropelando a ordem
jurídica, principalmente a constitucional. O avanço pressupõe a
observância irrestrita do que está escrito na lei de regência da
matéria. Dizer que interessa ao público em geral conhecer o teor de
gravações sigilosas não se sustenta. O público também está submetido à
legislação.


Sul21: Na sua opinião, essas pressões midiáticas
e de setores da chamada opinião pública vêm de certo modo contaminando
algumas decisões judiciais?



Marco Aurélio Mello: Os fatos foram se acumulando.
Nós tivemos a divulgação, para mim imprópria, do objeto da delação do
senador Delcídio Amaral e agora, por último, tivemos a divulgação também
da interceptação telefônica, com vários diálogos da presidente, do
ex-presidente Lula, do presidente do Partido dos Trabalhadores com o
ministro Jacques Wagner. Isso é muito ruim pois implica colocar lenha na
fogueira e não se avança assim, de cambulhada.


Sul21: Os ministros do Supremo, para além do que
é debatido durante as sessões no plenário, têm conversado entre si
sobre a situação política do país?



Marco Aurélio Mello: Não. Nós temos uma tradição de
não comentar sobre processos, nem de processos que está sob a relatoria
de um dos integrantes nem a situação política do país. Cada qual tem a
sua concepção e aguarda o momento de seu pronunciar, se houver um
conflito de posições. Já se disse que o Supremo é composto por onze
ilhas. Acho bom que seja assim, que guardemos no nosso convívio uma
certa cerimônia. O sistema americano é diferente. Lá, quando chega uma
controvérsia, os juízes trocam memorandos entre si. Aqui nós atuamos em
sessão pública, que inclusive é veiculada pela TV Justiça, de uma forma
totalmente diferente.


Sul21: A Constituição de 1988 incorporou um
espírito garantista de direitos. Na sua avaliação, esse espírito estaria
sob ameaça no Brasil?



"Se o que vale é o critério subjetivo do julgador, isso gera uma insegurança muito grande". (Foto: Carlos Humberto/SCO/STF)
“Se o que vale é o critério subjetivo do julgador, isso gera uma insegurança muito grande”. (Foto: Carlos Humberto/SCO/STF)
 Marco Aurélio Mello: Toda vez que se atropela o que
está previsto em uma norma, nós temos a colocação em plano secundário
de liberdades constitucionais. Isso ocorreu, continuo dizendo, com a
flexibilização do princípio da não culpabilidade e ocorreu também quando
se admitiu, depois de decisão tomada há cerca de cinco antes, que a
Receita Federal, que é parte na relação jurídica tributária, pode ter
acesso direto aos dados bancários.


Sul21: A expressão “ativismo jurídico” vem
circulando muito na mídia brasileira e nos debates sobre a conjuntura
atual. Qual sua opinião sobre essa expressão?



Marco Aurélio Mello: A atuação do Judiciário
brasileiro é vinculada ao direito positivo, que é o direito aprovado
pela casa legislativa ou pelas casas legislativas. Não cabe atuar à
margem da lei. À margem da lei não há salvação. Se for assim, vinga que
critério? Não o critério normativo, da norma a qual estamos submetidos
pelo princípio da legalidade. Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Se o que vale é o critério
subjetivo do julgador, isso gera uma insegurança muito grande.


Sul21: Esse ativismo jurídico vem acontecendo em um nível preocupante, na sua opinião?


Marco Aurélio Mello: Há um afã muito grande de se
buscar correção de rumos. Mas a correção de rumos pressupõe a
observância das regras jurídicas. Eu, por exemplo, nunca vi tanta
delação premiada, essa postura de co-réu querendo colaborar com o
Judiciário. Eu nunca vi tanta prisão preventiva como nós temos no Brasil
em geral. A população carcerária provisória chegou praticamente ao
mesmo patamar da definitiva, em que pese a existência do princípio da
não culpabilidade. Tem alguma coisa errada. Não é por aí que nós
avançaremos e chegaremos ao Brasil sonhado.


Sul21: Como deve ser o encaminhamento da série de ações enviadas ao Supremo contestando a posse do ex-presidente Lula como ministro?


Marco Aurélio Mello: Eu recebi uma ação cautelar e
neguei seguimento, pois havia um defeito instrumental. Nem cheguei a
entrar no mérito. Nós temos agora pendentes no Supremo seis mandados de
segurança com o ministro Gilmar Mendes e duas ações de descumprimento de
preceito fundamental com o ministro Teori Zavaski, além de outras ações
que tem se veiculado que existem e que estariam aguardando
distribuição. Como também temos cerca de 20 ações populares em
andamento.


No tocante aos mandados de segurança, a competência quanto à medida
de urgência liminar é do relator. Não é julgamento definitivo. Quanto à
arguição de descumprimento de preceito fundamental, muito embora a
atribuição seja do pleno, este não estando reunido – só teremos sessão
agora no dia 28 de março – o relator é quem atua ad referendum do plenário.


Temos que esperar as próximas horas. A situação se agravou muito com
os últimos episódios envolvendo a delação do senador Delcídio e a
divulgação das interceptações telefônicas. Não podemos incendiar o país.


Sul21: O STF deverá ter um papel fundamental para que isso não ocorra…


Marco Aurélio Mello: Sim. É a última trincheira da
cidadania. Quando o Supremo falha, você não tem a quem recorrer. Por
isso é que precisamos ter uma compenetração maior, recebendo não só a
legislação e as regras da Constituição Federal, que precisam ser um
pouco mais amadas pelos brasileiros, como também os fatos envolvidos.

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