sábado, 19 de março de 2016

Jogo viciado -

Jogo viciado - 19/03/2016 - André Singer - Colunistas - Folha de S.Paulo




Pela segunda vez em 15 dias, o juiz Sergio Moro pratica atos
juridicamente questionáveis, aparentemente movido pelo desejo imperioso
de intervir na cena política. Caso tivesse se restringido ao papel de
magistrado técnico, não teria autorizado a condução coercitiva de Lula
nem a divulgação de escuta ilegal –feita fora do prazo devido–
envolvendo a Presidência da República.





No primeiro caso, vistos os confrontos gerados pela detenção do
ex-presidente, emitiu nota na qual lamentava que a sua decisão tenha
levado a "confrontos em manifestações políticas inflamadas, exatamente o
que se queria evitar".





Foi a primeira mancha sobre a atuação daquele que, na prática, lidera a
Lava Jato. Mas, em lugar de aprender com a lição e recuar, dobrou a
aposta na última quarta-feira.





Talvez movido pelo desespero de perder o domínio sobre a investigação
contra Lula, Moro decidiu dar publicidade a diálogo telefônico em que
Dilma Rousseff diz ao antecessor que lhe mandaria, onde estivesse, o
termo de posse como ministro. Lida como prova de que a presidente
tentava obstruir a Justiça por meio de uma espécie de salvo-conduto a
Lula, a peça caiu como luva na movimentação a favor do impeachment.





A primeira ação causou conflitos pontuais e acendeu a suspeita. A
segunda turva de ilegalidade a eventual aprovação do impedimento. Outra
vez, Moro justificou com ligeireza o ato praticado, argumentando que
também gravação do ex-presidente norte-americano Richard Nixon tinha
sido publicada na década de 1970. A justificativa explicita modelo de
ação calcado em caso clássico de renúncia para evitar o impeachment.





Se o açodamento de Moro ficou patente nas duas ocasiões citadas, não há
como omitir, igualmente, o dos meios de comunicação. A pretexto de
informar de maneira instantânea, amplificam e tornam fatos o que são
apenas especulações ilegítimas. Na atividade jornalística, a checagem
cuidadosa e responsável da informação é tão ou mais valiosa do que a
velocidade.





Judiciário e imprensa parecem colocar lenha na fogueira dos que desejam
interromper um governo constitucionalmente eleito. Pode-se contestar que
o impeachment também é constitucional. Verdade, mas consumá-lo a partir
de provas forjadas mediante abuso de poder equivale a tisnar a
democracia.





O sistema de justiça e de mídia constituem estruturas de poder que
precisam se manter equilibrados de modo a não distorcer o jogo
político-partidário, cujo palco principal é o Parlamento. Nem o juiz nem
os comentaristas podem decidir o flá-flu. Se insistirem, darão péssima
contribuição neste que é o momento mais delicado da democracia
brasileira desde o fim do regime militar.

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