domingo, 20 de março de 2016

ISTOÉ Independente - Brasil

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Conta tucano

Investigações revelam que o ex-caixa de campanha do PSDB movimentou US$ 56 milhões por intermédio de contas no Banestado dos EUA

Amaury Ribeiro Jr. ? Foz do Iguaçu, Sônia Filgueiras e Weiller Diniz





Documentos a
que ISTOÉ teve acesso começam a esclarecer por que o laudo de exame
financeiro nº 675/2002, elaborado pelos peritos criminais da PF Renato
Rodrigues Barbosa, Eurico Montenegro e Emanuel Coelho, ficou engavetado
nos últimos seis meses do governo FHC, quando a instituição era
comandada por Agílio Monteiro e Itanor Carneiro. Nas 1.057 páginas que
detalham todas as remessas feitas por doleiros por intermédio da agência
do banco Banestado em Nova York está documentado o caminho que o caixa
de campanha de FHC e do então candidato José Serra, Ricardo Sérgio
Oliveira, usou

para enviar US$ 56 milhões ao Exterior entre 1996 e 1997. O laudo

dos peritos mostra que, nas suas operações, o tesoureiro utilizava

o doleiro Alberto Youssef, também contratado por Fernandinho Beira-

Mar para remeter dinheiro sujo do narcotráfico para o Exterior. Os
peritos descobriram que todo o dinheiro enviado por Ricardo Sérgio ia
parar na camuflada conta número 310035, no banco Chase Manhattan também
em Nova York (hoje JP Morgan Chase), batizada com o intrigante nome
“Tucano”. De acordo com documentos obtidos por ISTOÉ, em apenas dois
dias – 15 e 16 de outubro de 1996 – a Tucano recebeu

US$ 1,5 milhão. A papelada reunida pelos peritos indica que o nome

dado à conta não é uma casualidade.
Os dois responsáveis pela administração
da dinheirama, segundo a perícia, são figurinhas carimbadas nos
principais escândalos envolvendo o processo de privatização das teles e
auxiliares diretos de Ricardo Sérgio: João Bosco Madeiro da Costa,
ex-diretor da Previ (o fundo de pensão do Banco do Brasil) e ex-assessor
do caixa tucano na diretoria internacional do BB, e o advogado
americano David Spencer. A perícia revela ainda que Spencer é procurador
de Ricardo Sérgio em vários paraísos fiscais. Ao perseguir a trilha do
dinheiro, os peritos descobriram que os milhões de Ricardo Sérgio
deixavam o País por intermédio de uma rede de laranjas paraguaios e
uruguaios contratados por Youssef e eram depositados na conta 1461-9, na
agência do Banestado em Nova York antes de pousar na emplumada Tucano,
que contava com uma proteção especial para dificultar sua localização.
Ela estava registrada dentro de outra conta no Chase em nome da empresa
Beacon Hill Service Corporation. De lá, o dinheiro era distribuído para
contas de Ricardo Sérgio e de João Bosco em paraísos fiscais no Caribe.
A perícia traz outras provas
contundentes. A PF conseguiu comprovar que parte do dinheiro enviado por
intermédio do Banestado retornou ao Brasil para concretizar negócios
desse mesmo grupo. Segundo o laudo, o dinheiro voltava embarcado em uma
conta-ônibus junto com recursos de várias offshores (empresas em
paraísos fiscais com proprietários sigilosos) operada pelo próprio João
Bosco. Os peritos conseguiram, por exemplo, identificar o retorno de US$
2 milhões utilizados para comprar um apartamento de luxo no Rio de
Janeiro em nome da Rio Trading, uma empresa instalada nas Ilhas Virgens
Britânicas. Foram rastreados também imóveis em nome da Antar, sediada no
mesmo paraíso, em nome de Ronaldo de Souza, que, segundo a PF, é sócio,
procurador e testa-de-ferro de Ricardo Sérgio. Pelas características
dos depósitos, que eram frequentes, suspeita-se que, por esse mesmo duto
de lavagem, também passaram contribuições de campanha. Além disso,
Youssef tinha em sua carteira principalmente dois tipos de clientes:
narcotraficantes e políticos. O laudo concluiu ainda que Ricardo Sérgio,
enquanto ocupava o cargo de diretor internacional do BB, ajudou a
montar o esquema bancário que operava com dinheiro de doleiros na
fronteira, depois transferido para a agência nova-iorquina do Banestado.
Os documentos anexados ao laudo provam o envolvimento do advogado e procurador de Ricardo Sérgio, David Spencer, na abertura

e movimentação da conta 1461-9, em nome da empresa June International
Corporation. Um ofício do gerente do Banestado, Ercio Santos,
encaminhado ao doleiro Youssef em 20 de agosto de 1996, atribui a
Spencer a responsabilidade pela abertura da conta. “Segue

cópia dos documentos referentes à abertura da June, em 8 de agosto

de 1996. Recebemos hoje do David Spencer”, diz a primeira linha da
correspondência na qual Ercio informa Youssef a respeito dos
procedimentos para movimentação da conta. Na carta, Youssef é

tratado intimamente por “Beto” e, ao se despedir, o gerente manda

“um grande abraço”. Ercio Santos sabia que mexia com dinheiro sujo.
Informa, no documento, que preferiu não enviar selo da June por malote
para não chamar a atenção. O selo, uma espécie de carimbo metálico, traz
a identificação da empresa no paraíso fiscal onde foi instalada. A
perícia comprovou também que, além do dinheiro do tucanato, Spencer
ajudou a lavar recursos desviados do Banco Noroeste e do Nacional.
Casado com uma brasileira, o americano conheceu Ricardo Sérgio no Brasil
quando o ex-diretor do BB ocupava um cargo de direção no Citibank. Por
falar português fluentemente, tornou-se advogado

de banqueiros brasileiros no Exterior.
Como procurador de Ricardo Sérgio,
conforme o relatório, Spencer abriu em 1989 a empresa Andover
International Corporation nas Ilhas Virgens Britânicas. Spencer – que
era também tabelião em Nova York – tinha respaldo legal para fechar as
compras de imóveis no Brasil em nome das empresas offshore de Ricardo
Sérgio e sua turma, mantendo os nomes dos verdadeiros donos em sigilo.
Em uma dessas operações em 1989, por exemplo, Spencer lavrou uma
procuração em nome do engenheiro Roberto Visneviski, outro sócio do
tesoureiro tucano, para representar a empresa Andover na compra de um
conjunto de salas na avenida Paulista, avaliado em R$ 1 milhão. Para
especialistas em lavagem de dinheiro, a operação é suspeita porque
Visneviski assina duas vezes a transação: como vendedor e como
comprador. “Obviamente, a Andover é do próprio Ricardo Sérgio. Foi uma
operação clássica de internação de dinheiro”, avalia o jurista Heleno
Torres, um especialista na investigação de operações de lavagem. Essa é
apenas uma das 137 contas que já estão periciadas nos inquéritos. Por
elas trafegaram US$ 30 bilhões. A polícia calcula que mais de 90% dessa
montanha de dinheiro é ilegal, mais da metade resultado de sonegação de
impostos através de caixa 2.
Reação – As denúncias
publicadas na última edição de ISTOÉ que revelaram a sangria via
Banestado caíram como uma bomba dentro do governo. Já no sábado 1º, um
assessor direto do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, procurou o
diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda, pedindo informações
sobre o laudo. Depois de conversar com o delegado Antônio Carlos
Carvalho de Souza, atual responsável pelo caso, e com os peritos que
trabalharam no escândalo, Lacerda comandou o reagrupamento de todos os
policiais que já participaram da operação. Na quinta-feira 6, o chefe da
PF reuniu a equipe e determinou a criação de uma força-tarefa da PF em
parceria com o Ministério Público e com a Justiça. Além de Carvalho, o
delegado José Francisco Castilho Neto e os peritos Eurico Montenegro e
Renato Rodrigues, que buscaram junto ao FBI e organizaram toda a
documentação existente hoje no Brasil, estão de volta às investigações.
Os três haviam sido colocados na geladeira durante a administração
tucana na PF. “É o maior caso de evasão de divisas que eu conheço”,
admitiu Lacerda na quinta-feira 6. “Vamos investigar tudo e não
cederemos a pressões de qualquer natureza”, adverte o ministro Márcio
Thomaz Bastos, antecipando-se a eventuais novos nomes que o dossiê-bomba
da PF venha a revelar.
O grupo, reforçado por dois escrivãos,
voltará aos EUA nas próximas semanas para buscar os documentos que
trazem as movimentações bancárias no biênio 1998-1999. Até agora, o
trabalho dos peritos foi um exercício de abnegação. “O número de peritos
é pequeno para o volume de informações que está sendo investigado”, diz
o presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais,
Roosevelt Júnior. A divulgação do laudo também provocou uma corrida de
procuradores que investigam separadamente casos de lavagem em vários
Estados. O procurador Guilherme Schelb, que apura outros casos de
lavagem, pediu o bloqueio das três contas suíças do contrabandista e
traficante foragido João Arcanjo Ribeiro. O procurador Luís Francisco de
Souza, que rastreia os passos de Ricardo Sérgio, também quer ter acesso
aos laudos produzidos pela PF. O cearense José Gerin não perdeu tempo.
Desembarcou em Foz do Iguaçu esta semana para buscar detalhes sobre a
quadrilha de doleiros que opera na região Nordeste, entre eles Wilson
Roberto Landim, preso há duas semanas, que, pelos documentos, remeteu
para o Exterior quase US$ 1 milhão em apenas seis meses.
OS BONS COMPANHEIROS
Principal articulador da formação dos consórcios que disputaram

o leilão das empresas de telecomunicações, o ex-diretor da área
internacional do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio de Oliveira, saiu

das sombras do tucanato ao ser captado num grampo do BNDES

em que dizia ao ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros que

iria conceder uma carta de fiança ao consórcio coordenado pelo

Banco Opportunity. “Estamos agindo no limite da irresponsabilidade”, disse Ricardo Sérgio no grampo.
Depois
da revelação, Ricardo Sérgio passou a sofrer uma série de investigações
no MP e na PF. Acusado de receber propina de empresas que participaram
da privatização, Ricardo Sérgio está sendo investigado também por
enriquecimento ilícito.
Ao
assumir o cargo em 1994, convidou para chefe de gabinete o seu fiel
escudeiro João Bosco Madeiro da Costa. Por indicação do ex-diretor do
BB, Madeiro foi posteriormente para o cargo de diretor de investimentos
da Previ, o milionário fundo de pensão do BB que participa do controle
acionário da maior parte das teles privatizadas. Relatórios da
Secretaria de Previdência Complementar, do Ministério da Previdência,
revelaram que Madeiro centralizava todo o poder de negociação do fundo
com grandes empresas. Segundo o Ministério Público, Madeiro também é
suspeito de enriquecimento ilícito.

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