segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Isto não é jornalismo — CartaCapital

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Isto não é jornalismo

O comportamento da mídia nativa é o sintoma mais preciso
da decadência do Brasil





por Mino Carta







publicado
29/01/2016 10h36

















Incomodavam-me,
em outros tempos, os sorrisos do sambista e do futebolista. Edulcorados
pela condescendência de quem se crê habilitado à arrogância. Superior,
com um toque de irônica tolerância. Ou, por outra: um sorriso vaidoso e
gabola.
Agora me pergunto se ainda existem
sambistas e futebolistas capazes daquele sorriso. Foi, aos meus olhos,
por muito tempo, o sinal de desforra em relação ao resto do mundo, a
afirmação de uma vantagem tida como indiscutível. Incomodou-me, explico,
considerar que a vantagem do Brasil, enorme, está nos favores recebidos
da natureza e atirados ao lixo pela chamada elite, que desmandou
impunemente.
Quanto ao sambista e ao futebolista, não
estavam ali por acaso. Achavam-se os tais, e os senhores batiam palmas.
Enxergavam neles os melhores intérpretes do País e no Carnaval uma festa
para deslumbrar o mundo.
O Brasil tinha outros méritos. Escritores,
artistas, pensadores, respeitabilíssimos. Até políticos. Ocorre-me
recordar a programação do quarto centenário de São Paulo, em 1954,
representativa de uma metrópole de pouco mais de 2 milhões de habitantes
e equipada para realizar um evento que durou o ano inteiro sem perder o
brilho.
Lembro momentos extraordinários, a partir da presença de telas de Caravaggio
em uma exposição do barroco italiano apresentada no Ibirapuera
recém-inaugurado, até um festival de cinema com a participação de
delegações dos principais países produtores.
A passar pela visita de William Faulkner
disposto a trocar ideias com a inteligência nativa. Não prejudicaram a
importância da presença do grande escritor noitadas em companhia de
Errol Flynn encerradas ao menos uma vez pelo desabamento do primeiro
Robin Hood de Hollywood na calçada do Hotel Esplanada.
A imprensa servia à casa-grande, mas nela
militavam profissionais de muita qualidade, nem sempre para relatar a
verdade factual, habilitados, contudo, a lidar desenvoltos com o
vernáculo. Outra São Paulo, outro Brasil.
Este dos dias de hoje está nos antípodas, é o oposto daquele. A
despeito da irritação que então me causava o sorriso do futebolista e
do sambista, agora lamento a sua falta, tratava-se de titulares de
talentos que se perderam.
Vivemos tempos de
incompetência desbordante, de irresponsabilidade, de irracionalidade.
De decadência moral, de descalabro crescente. Falei em 1954: foi também o
ano do suicídio de Getúlio Vargas,
alvejado pelo ataque reacionário urdido contra quem dava os primeiros
passos de uma industrialização capaz de gerar proletariado, ou seja,
cidadãos conscientes de sua força, finalmente egressos da senzala.
Recortes
Segundo a Folha, Lula carrega o triplex nas costas, igual a mochila
Não cabe, porém, comparar Carlos Lacerda com
os golpistas atuais, alojados na mídia, grilos falantes dos barões, a
serviço do ódio de classe. Lacerda foi mestre na categoria vilão,
excelente de fala e de escrita.
Os atuais tribunos de uma pretensa,
grotesca aristocracia, são pobres-diabos a naufragar na mediocridade.
Muitos deles, como Lacerda, começaram na vida adulta a se dizerem de
esquerda, tal a única semelhança. Do meu lado, sempre temi quem parte da
esquerda para acabar à direita.
Os sintomas do desvario reinante
multiplicam-se, dia a dia. Alguns me chamam atenção. Leio, debaixo de
títulos retumbantes de primeira página, que o ex-ministro Gilberto
Carvalho admitiu ter recebido certo lobista.
Veicula-se a notícia como revelação
estarrecedora, e só nas pregas do texto informa-se que Carvalho convidou
o visitante a procurar outra freguesia. De todo modo, vale perguntar:
quantos lobistas passam por gabinetes ministeriais ao praticar
simplesmente seu mister? Mesmo porque, como diria aquela personagem de
Chico Anysio, advogado advoga, médico medica, lobista faz lobby.
Outro indício, ainda mais grave, está na desesperada, obsessiva busca de envolver Lula em alguma mazela,
qualquer uma serve. Tanto esforço é fenômeno único na história
contemporânea de países civilizados e democráticos. Não é difícil
entender que a casa-grande está apavorada com a possibilidade do retorno de Lula à Presidência em 2018, mesmo o mundo mineral percebe.
Mas até onde vai a prepotência insana, ao desenrolar o
enredo de um apartamento triplex à beira-mar que Lula não comprou? A
quem interessa a história de um imóvel anônimo? Que tal falarmos dos
iates, dos jatinhos, das fazendas, dos Rolls-Royce que o ex-presidente
não possui?
Este não é jornalismo. Falta o respeito à verdade factual e
tudo é servido sob forma de acusação em falas e textos elaborados com
transparente má-fé. Na forma e no conteúdo, a mídia nativa age como partido político.

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