domingo, 3 de janeiro de 2016

Manual do perfeito midiota - 3 - Brasileiros

Manual do perfeito midiota - 3 - Brasileiros



Manual do perfeito midiota – 3



A mídia tradicional, na qual você
acredita religiosamente, não está a serviço da classe média tradicional,
aquela casta que antigamente era chamada de burguesia




















Coluna_Luciano-Martins-Costa-600pixels
O
ano está terminando e você certamente está odiando não poder jantar
naquele restaurante em Nova York onde um lugar à mesa não sai por menos
de 300 dólares.


Você leu na imprensa brasileira que esse é o melhor programa para
comemorar a passagem do ano. Mas não vai dar, não é? E a culpa, claro, é
daqueles que fizeram disparar o dólar e elevaram os juros, de modo que,
por mais que tenha ralado para cumprir as metas, o custo desse sonho é
muito alto.


Isso faz com que você odeie ainda mais esses comunistas que afundaram
o Brasil, não é mesmo? Porque você está convencido, pela leitura dos
jornais e da maioria das revistas de informação, de que o Brasil
afundou.


Mas não era essa mesma imprensa que pedia incessantemente, desde
2013, que os juros fossem elevados para melhorar o desempenho do mercado
de ações e que o câmbio pudesse flutuar livremente ao sabor do mercado?


Você não recebia os boletins daquela corretora cuja economista-chefe
pontificava quase diariamente no rádio, na TV e em colunas de jornais,
exigindo a mudança do modelo econômico?


Ela anda meio sumida, e provavelmente vai estar naquele restaurante
que você queria conhecer. Gastando o bônus que ganhou ao apostar contra o
Brasil.


Irônico, não é?



Pois é assim que funciona: a mídia tradicional manipula seus sonhos
de consumo e ao mesmo tempo faz você acreditar que, se eles ficam fora
do seu alcance, a culpa não é sua. É do governo.


Parece meio esquizofrênico?


É pura esquizofrenia: ao mesmo tempo em que prega a precedência do
interesse privado sobre a ideia de nação, a imprensa hegemônica vende o
paraíso da individualidade, fazendo você acreditar que pertence a uma
casta que merece tudo.


Você quer estar naquele bar que a revista Veja listou entre os melhores da cidade, mas detesta aglomerações?


É o mesmo mecanismo mental que faz você adorar a chegada de novidades
ao mercado nacional, mas ao mesmo tempo odeia que outras pessoas tenham
acesso a esses bens e serviços. Ninguém contou que isso só é possível
porque o mercado nacional se ampliou, se diversificou e alcançou escala
suficiente para oferecer essas novidades.


Agora que algumas turbulências complicam um pouco mais sua vida, a culpa é do Estado e de seu gestor, o governo.


Sinto muito, mas não dá para encarar essas contradições sem deslocar
você da zona de conforto proporcionada pela condição de midiota.


A mídia tradicional, na qual você acredita religiosamente, não está a
serviço da classe média tradicional, aquela casta que antigamente era
chamada de burguesia. Ela usa a burguesia para atender aos interesses de
uma minoria que fica um pouco acima no andaime social. Como sempre, o
cidadão comum funciona como massa de manobra, porque o sistema da mídia o
faz suspirar pelo andar de cima e desprezar seus próprios pares.


Parece pouco democrático? Na verdade, como lembra o crítico de mídia
Jeff Cohen, a imprensa deveria atuar como o sistema nervoso de uma
democracia. Quando ela é dominada por atores que não estão preocupados
com essa questão essencial, a democracia deixa de funcionar.


O modelo mais escrachado dessa imprensa inimiga da democracia é o
império do australiano Rupert Murdoch. Há vinte anos, os principais
grupos de comunicação da América Latina denunciavam Murdoch como um
aventureiro que ameaçava a liberdade de imprensa. Hoje, o modelo Murdoch
é praticado por nove entre dez dos veículos de maior audiência em todo o
continente.


Você é refém desse sistema.


Para preservar a condição de midiota, que defende sua cabecinha da
angústia de pensar, convém desenvolver a síndrome de Estocolmo, ou seja,
é preciso amar quem sequestrou a sua mente.


Por exemplo, se você assistiu aquela cena em que meia dúzia de
insensatos interpela na rua o cantor Chico Buarque e sentiu um pouco de
vergonha alheia, cuidado: sua consciência está traindo seus interesses.


Mas se você imagina que, se estivesse lá, teria aderido ao coro da
grosseria, fique tranquilo: você está próximo de alcançar a condição do
perfeito midiota.


Para ver: Outfoxed – documentário completo.


*Jornalista, mestre em Comunicação, com formação em gestão de
qualidade e liderança e especialização em sustentabilidade. Autor dos
livros “O Mal-Estar na Globalização”,”Satie”, “As Razões do Lobo”,
“Escrever com Criatividade”, “O Diabo na Mídia” e “Histórias sem
Salvaguardas”

Nenhum comentário:

Postar um comentário