sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Lei de Responsabilidade Fiscal serviu para garantir pagamentos de juros

Adriano Benayon: Lei de Responsabilidade Fiscal serviu para garantir pagamentos de juros -

 Viomundo - O que você não vê na mídia



Cair na real – LRF e juros


Adriano Benayon * – 03.10.2015


O  senador Cristovam Buarque divulgou mensagem em que manifesta
preocupação com o risco de os gestores públicos, diante da crise e da
queda da arrecadação, descumprirem a Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF).


2. Referiu-se aos projetos de lei aprovados na Câmara e no Senado que
acrescentavam despesas ao Orçamento da União. A presidente Dilma buscou
impedir sua passagem, com 32 vetos, dos quais 26 foram mantidos pelo
Congresso, mas seis foram rejeitados, o que elevará gastos.


3. Os que se preocupam com os déficits públicos alarmam-se com a
situação, porquanto os déficits já vinham crescendo e, desse modo,
tendem a aumentar ainda mais, também porque as receitas estão em baixa
significativa.


4. Há que colocar os pingos nos is. A LRF não passa de instrumento 
destinado a acelerar o empobrecimento do Brasil, assegurando a
perpetuação de sua condição de economia primarizada e de zona de
extração de recursos naturais, para entregá-los a preço vil aos carteis
transnacionais.


5. Trata-se de lei complementar, de maior hierarquia que as leis
ordinárias, ditada pelo império angloamericano, via FMI. Data de 2000,
quando FHC reinava na satrápia chamada Brasil.


6. Essa lei dá total prioridade ao pagamento dos juros da dívida
pública, tanto no âmbito federal, como no dos Estados e municípios, os
quais, com a federalização da dívida (lei 9.496/1997), se tornaram
vassalos  de absurdas taxas de juros e índices de correção monetária,
que devem pagar à União. Esta ficou responsável pelo total das dívidas
públicas.


7.  As taxas de  juros e os índices de correção monetária devidos
pelos governos locais são semelhantes àqueles com os quais o governo
federal provê estupenda acumulação de dinheiro  em favor dos
concentradores financeiros (banqueiros estrangeiros e locais, e demais
rentistas,  como as empresas transnacionais).


8. Desse modo, o Brasil tem perdido recursos que possibilitariam
alçar sua taxa de investimentos produtivos (contando os do setor
privado), a taxas de 35% do PIB, mesmo com proporcional crescimento do
consumo.


9. Ora,  se se endireitassem também as estruturas e infraestruturas,
notadamente corrigindo a patológica desnacionalização da economia, não
seria difícil progredir no ritmo observado na China dos últimos 30 anos.


10. Demonstremos, com base nas estatísticas do Tesouro Nacional, a
quanto têm montado os recursos saqueados do Brasil,  a título do
“serviço da dívida pública”.


11. Somente de janeiro de 1995  — 1º ano após o plano Real, que
proclamou a mentirosa estabilização monetária – até agosto de 2015,  a
dívida pública interna multiplicou-se 24 vezes, de  R$ 135,9 bilhões
(contando então as dívidas de estados e municípios) para R$ 3,83
trilhões. Isso significa que a dívida interna foi multiplicada por 28,
no período.


12. Isso significa crescimento médio anual de 18,65% aa., decorrente
da capitalização dos juros e da inflada correção monetária, ambos
decretados pelo BACEN, para gáudio dos sistemas financeiros privados,
mundial e local.


13. Desde a Constituição de 1988, os gastos com a dívida pública, atualizados monetariamente, superam em muito R$ 20 trilhões.


14.  Se os gastos com a dívida interna, cujo montante passa de R$ 3,8
trilhões, continuarem crescendo com a taxa efetiva anual presente —  aí
nos  18% aa. – essa dívida subirá, em 30 anos, para 1/2 quatrilhão de
reais. Um quatrilhão são mil trilhões: 1.000.000.000.000 x 1.000.


15. Na finança mundial, os derivativos voltaram a superar US$ 600
trilhões, como nas proximidades do colapso financeiro de 2007/2008. 
Agora já passam de US$ 1 quatrilhão.


16. Iludem-se grandemente os que acreditam nos bancos e em
economistas das universidades famosas e das que as copiam, quando caem
na conversa de  que os juros são  elevados para conter a inflação!


17. Ao contrário, o crescimento exponencial das dívidas, expressas em
títulos,  significa inflação  ainda maior do que causaria a emissão de
moeda, tão anatematizada pelos economistas “ortodoxos” (e pela opinião
geral, por eles influenciada). Os títulos financeiros são dinheiro, como
a moeda, e ainda turbinado pelos juros.


18. Um dia, a explosão da massa de títulos insuscetíveis de serem
liquidados, leva a reformas monetárias. Então se consolida o poder
absoluto dos concentradores, mesmo em relação aos cidadãos aparentemente
abastados.


19. Imaginemos, num caso limite, que o patrimônio financeiro dos
grandes concentradores atinja vários quatrilhões de dólares e que
individualmente tenham, em média, ativos de 100 trilhões de dólares.


20. Ao acontecer o “saneamento”, a reforma monetária faz que um novo
dólar valha um milhão dos antigos. Então, um oligarca que acumulou US$
100 trilhões, ficará com 100.000.000 (cem milhões) de dólares novos. Já
um empresário, dono de patrimônio de  US$ 100 milhões, ficará reduzido
a 100 dólares novos. Que chance tem alguém com 100 unidades de moeda,
diante de quem tem 100 milhões delas?


21. A reforma mostrará como o empresário empobrece, enquanto a
composição dos juros e as demais jogadas do mercado financeiro fazem
expandir os ativos dos banqueiros e demais concentradores.


22. Torna-se, assim,  abissal a diferença de poder econômico entre
estes e os demais mortais,  mesmo os  ricos, cuja maioria, como também a
classe média, é convertida às ideologias de interesse dos
concentradores e, assim,  julga normais as manipulações de juros, câmbio
e outras, praticadas pelo sistema financeiro.


23. No Brasil, esse sistema é criminosamente privilegiado pela fraude
no artigo 166, § 3º, II, b), e pela sacralização suicida dos gastos com
juros injustificados, assegurada pelo art. 164. Esse confere
exclusividade ao Banco Central (BACEN), para emitir moeda – somente 
para servir os bancos – colocando o Tesouro Nacional à mercê destes.


24. Por lei, o BACEN está subordinado ao governo federal. Portanto,
os governantes que se têm sucedido, deveriam explicar por que o BACEN
age em favor da finança dos concentradores privados estrangeiros e
locais e, em detrimento da economia e da sociedade.


25. Criaram um círculo vicioso: a dívida pública cresce devido a
despesas financeiras, priorizadas pela LRF. A perspectiva de déficits
orçamentários serve de desculpa para elevarem mais os juros. Daí minguam
os investimentos produtivos e sociais da  União e dos entes
federativos.


26. É, pois,  incrível que a LRF seja defendida como sagrada por
tanta gente, até com o primarismo flagrante na mensagem de Cristovam: 
“a revogação da Lei de Responsabilidade Fiscal é o mesmo que revogar as
quatro operações aritméticas, é dizer que dois mais dois é igual a
cinco.”


27. Para o senador, o brasileiro está acostumado a querer receber
aposentadoria jovem, e a crise estrutural exige reforma da Previdência.
Traduzindo o jargão da “esquerda” reacionária: ”que assalariados e
aposentados paguem a conta; não se toque nos trilhões de reais  de juros
para os bancos!” É de estarrecer.


28.  Conquanto as despesas financeiras não sejam a causa única do
subdesenvolvimento acelerado, o vulto delas comprova, de sobra, seu 
peso na ruína financeira do País. Acarretam também a miséria da
estrutura produtiva e social, além de reforçarem a tirania dos oligarcas
concentradores sobre o sistema político.


29.  Há mais causas da degringolada. A principal delas, inclusive por
ser a fonte da dívida,  é a desnacionalização da economia, com os
carteis transnacionais subsidiados pela política econômica, aplicando
preços absurdos aos consumidores, privando o País de tecnologias
próprias, e transferindo quantias estratosféricas ao exterior.


30.  Os déficits nas transações correntes com o exterior —  mesmo com
o País a exportar quantidades brutais e crescentes,  via agronegócio e
mineração —  cresceram para valor próximo a US$ 100 bilhões anuais, e
não mostram sinais de cair muito, nem com a depressão e com o dólar a 4
reais.


* Adriano Benayon é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.

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