sábado, 25 de julho de 2015

Lecio Morais – Reinventando a história: o mito da estabilidade no governo FHC

Lecio Morais – Reinventando a história: o mito da estabilidade no governo FHC



Lecio Morais – Reinventando a história: o mito da estabilidade no governo FHC

Efeméride convocada no Senado na semana passada comemorou o
aniversário do Plano Real. Um importante plano que debelou a
hiperinflação, mas que abriu também caminho para implantação plena às
chamadas políticas neoliberais de abertura e desregulamentação.
Entretanto, o Plano não trouxe estabilidade monetária e financeira para o
país, como muitas vezes se divulga. O Plano trouxe, juntamente com as
políticas neoliberais, elevados custos relativos à estagnação econômica,
bem como os relativos ao endividamento público.


Na homenagem do Senado os oradores tentaram sucessivamente vincular o
sucesso do Real ao próprio governo FHC e suas políticas neoliberais.
Nessa tentativa, os oito anos de FHC, no pós-Real foi “reinventado” como
um período de estabilidade monetária e financeira para o país.

Vejamos como o exame das variáveis de taxa de inflação, taxa cambial e
taxa de juros mostram como os governos FHC não trouxeram nenhuma
estabilidade à economia, nem mesmo a monetária.


Restabelecendo a história: a continuidade da instabilidade monetária pós-Real


Comecemos pela suposta estabilidade monetária. O que se alega é que o
Plano Real, além de eliminar a hiperinflação, criou uma moeda de valor
estável, o que já se revelou nos oito anos dos governos FHC.

Primeiro vejamos como o Plano Real funcionou. A ideia do Plano na
verdade nada teve de original: depois de alinhar os preços com a URV
(unidade referencial de valor, essa sim uma boa ideia), apenas atrelou a
nova moeda, o real, ao dólar, praticamente ao par (um por um). Com isso
houve uma súbita valorização da nova moeda, tornando os bens importados
ainda mais baratos.


O custo da manobra, no entanto, foi a imediata supervalorização da
moeda, acompanhada por uma elevação das taxa de juros a níveis
estratosféricos (na virada de 1994/95 chegou a 60% ao ano) para atrair
dólares.


No entanto, a taxa de inflação pós-real se manteve longe da
estabilidade. Em 1995, a taxa foi de 22%, e continuou variando 9% ao
ano, em média, até 2002. No primeiro governo, a inflação já tinha
acumulado 43%. Somando os dois governos, o acumulado chegou a 100%. E
pior, ao acabar o período, em 2002, a taxa tinha voltado a uma inflação
de dois dígitos, marcando 12,5% e subindo. Só para comparar, o acumulado
de oito anos de Lula foi de 56% e os quatro de Dilma chegaram a 27%.


Essas elevadas taxas de inflação prejudicaram a estabilidade cambial,
desafiando até a incrível taxa de juros real adotada, que terminou
gerando apenas riqueza financeira para os mais riscos e reduzindo o
investimento produtivo.


Restabelecendo a história: instabilidade e colapso cambial


Analisemos agora o comportamento da taxa de câmbio. Ela afeta ao
mesmo tempo a moeda, o crédito e o nível de atividade econômica. E, nas
economias periféricas, é uma variável que é capaz de levar um país à
bancarrota.

Com o real atrelado ao dólar, a taxa cambial iniciou 1995 em R$ 0,84 o
dólar, uma taxa muito valorizada, como já vimos, para deter a
hiperinflação.


Mas junto com os preços das importações, também caiu a produção
interna e abriu-se um déficit crescente nas contas externas. Essas
contradições do Plano Real impediram a manutenção estável do câmbio, que
foi sendo desvalorizado continuamente até já ter perdido 43% de seu
valor até 1998. Como a taxa inflacionária manteve-se maior que a
desvalorização do câmbio, o governo acabou por não conseguir controlar
nem o câmbio, nem o déficit externo e nem o fluxo especulativo de
dólares atraído pelos juros estratosféricos. E sobreveio a debacle.


Em janeiro de 1999, o Brasil quebrou pela primeira vez na mão de FHC.
As reservas em dólares se evaporaram e o real se desvalorizou, com sua
taxa chegando até quatro reais por dólar.


Sumiram os dólares, ficamos sem crédito externo para manter as
importações, mas as dívidas cresceram. O país só saiu da bancarrota
graças a empréstimos do governo americano e outros apoiados pelo FMI. A
maxidesvalorização em 1999 acabou por atingir 40%. O governo brasileiro e
sua moeda não tinham mais confiança externa. Muito longe já estávamos
de qualquer estabilidade monetária e financeira.


Porém, um novo desastre já estava a caminho. A economia estagnada,
uma moeda nacional com valor instável, sempre com tendência de queda, e
baixo nível de reservas tornaram o Brasil outra vez alvo fácil da
especulação cambial. A partir de maio de 2002, sobreveio novo ataque
especulativo contra o real. E o Brasil quebrou pela segunda vez na mão
de FHC.


De novo, nossa moeda se desvalorizou fortemente, chegando a mais de
três reais o dólar. Ficamos mais uma vez sem dólares e sem crédito
externo. Outra vez o governo FHC e o Banco Central perderam o controle
monetário e cambial. A salvação veio com o FMI: outro financiamento de
emergência foi arranjado, muito maior que o de 1999. Mas dessa vez ele
veio o junto a exigência de monitoramento trimestral, tendo em vista o
descrédito da economia e do governo.


A incrível taxa de juros estratosférica

Por fim temos a variável da taxa de juros. Foi exatamente nos primeiros
anos do Plano Real que nossa economia se consolidou como a campeã
mundial de taxas de juros reais elevadas e perenes. Passamos a ser a
economia bizarramente mais juros-dependente do mundo. Uma rara anomalia
que bem longe está de qualquer definição de estabilidade financeira. A
parte mais pesada da herança deixada ao Brasil pelas políticas
neoliberais de FHC.


As taxa Selic que iniciou 1995 a 60% ao ano, só caiu abaixo de 40% em
1998. E abaixo de 30% ao ano em meados de 1999. Em apenas dois anos os
credores da dívida pública federal dobraram seu investimento, e em
quatro anos o quintuplicaram. O total da dívida pública líquida se
multiplicou durante oito anos, saindo de apenas 37% do PIB, em 1994,
para mais 60% em 2002. Nunca um país viu sua dívida pública subir dessa
forma em tempos de paz.


A conjunção de elevadas taxa reais de juros, instabilidade econômica e
vasta fraude bancária detonou, em 1997, a maior crise bancária do
século 20. Neste ano, três dos dez maiores bancos do país quebraram
(Banco Nacional, Mercantil de Minas e Bamerindus). O que desencadeou
também o maior resgate público de investimentos privados depositados já
visto no Brasil.


Uma realidade bem infeliz


O país entregue ao governo Lula, em 2003, foi um país em situação de
instabilidade cambial crônica, inflação em alta, sem crédito externo e
sem reservas próprias de divisas.

Os números desagradáveis aqui expostos contam uma história bem diferente
da inventada “estabilidade monetária e financeira” trazida pelo Plano
Real e vivida durante os governos FHC. Esses números são facilmente
acessíveis em sites como Ipeadata, Banco Central e IBGE. Não são nem
nunca foram secretos. Qualquer um pode obtê-los.


Transformar essa verdade de oito anos de instabilidade monetária,
colapsos cambiais e bancarrotas nacionais em uma rósea paisagem de
estabilidade parece ir bem mais longe do que uma reinvenção da história,
beira mais a simples fraude.

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