quinta-feira, 25 de junho de 2015

Enquanto a tevê aberta for uma terra de ninguém, malafaias vão se reproduzir e prosperar

Diário do Centro do Mundo » Enquanto a tevê aberta for uma terra de ninguém, malafaias vão se reproduzir e prosperar. Por Leandro Fortes



Você vai sentir vontade de vomitar, mas é preciso ver um vídeo que
está circulando pelas redes sociais, no qual o pastor Silas Malafaia, da
Assembleia de Deus, ensina seus incautos fiéis a tirar dinheiro do
aluguel e dar para ele.


É uma espécie de manual cristão do achaque, mas serve para dar a
dimensão exata do tipo de gente que está influenciando parte
considerável da sociedade brasileira, além de impor uma agenda política
retrógrada e perigosamente medieval ao Congresso Nacional.



Malafaia é uma figura lamentável, mas não teria esse despudor de ir à
televisão ludibriar multidões de ignorantes sem contar com um ambiente
favorável e algumas condições prévias.


A primeira, e mais importante delas: a leniência do governo com a programação da tevê aberta.


Em um Estado laico, a veiculação de programas religiosos por emissoras concessionárias é, por si só, um absurdo total.


As emissoras vendem malandramente esses horários como se fossem
propaganda, e muito além do limite de 25% da programação, conforme prevê
o confuso conjunto de normas do setor. A saber: Código Brasileiro de
Telecomunicações, Lei Geral de Telecomunicações e outras
regulamentações.


Ou seja, são programas que não fazem parte sequer da grade oficial
das emissoras, vendidos em um esquema de terceirização criminoso sem que
uma única autoridade do Ministério das Comunicações tenha tido coragem,
até hoje, de acabar sumariamente com essa pilantragem.


Recentemente, o jornalista Ricardo Boechat, da Rede Bandeirantes,
lavou a alma nacional ao escrachar Malafaia, a quem mandou “procurar uma
rola”, chamou de “tomador de grana” e acusou de homofóbico. Tudo isso
ao vivo, nas ondas da Band News.


Ocorre que, desde o ano passado, o Ministério Público Federal luta,
em São Paulo, para conter a sanha da Rede 21, do Grupo Band. Desde 2008,
100% do horário do canal era alugado para a Igreja Mundial do Poder de
Deus, chefiada pelo pastor Valdomiro Santiago.


A partir de 2013, a Rede 21 passou a ter 22 horas de programação da
Igreja Universal do Reino de Deus, do pastor Edir Macedo, dono de outra
emissora concessionária, a Rede Record.


O MPF acusou Paulo Saad Jafet, vice-presidente da Band, e José Carlos
Anguita, superintendente de Relações com Mercado da emissora, de violar
a legislação e fomentar “enriquecimento sem causa” com o uso de uma
concessão pública.


Em janeiro passado, o juiz federal Djalma Moreira Gomes, da 25ª Vara
de São Paulo, negou o pedido de suspensão do MPF. Segundo ele, a liminar
só poderia ser concedida se, antes, autoridades administrativas
responsáveis por fiscalizar as infrações apontadas se pronunciassem. Em
seguida, determinou ao Ministério das Comunicações que instaurasse
procedimento administrativo para apurar as infrações ao Código
Brasileiro de Comunicações.


Não por acaso, e dentro de uma tradição que inclui também a igreja
católica, o fundamentalismo cristão é um aliado importante da direita
liberal, no Ocidente. Forma com ela um padrão ideológico gelatinoso onde
políticos profissionais se unem a fanáticos para, no ventre de embustes
patrióticos, tentar emplacar projetos fascistas de poder.


Uma selfie feita, recentemente, durante a Marcha para Jesus, em São Paulo, é um emblema perfeito dessa miscelânea ideológica.


Na foto, amplamente divulgada nas redes, Malafaia aparece ao lado de
dois potentados da extrema direita nacional: o deputado Jair Bolsonaro
(PP-RJ), apologista da tortura e do assassinato de opositores políticos;
e o senador Magno Malta (PR-ES), que costuma comparar Lula e o PT ao
diabo.


Essa percepção tornou-se palatável na campanha presidencial de 2010.
Na época, José Serra, candidato do PSDB, transformou-se em um beato
ecumênico e botou a mulher, Monica, para disseminar a informação de que
Dilma Rousseff era a favor de “matar criancinhas”, de forma a ligar a
candidata do PT à prática de abortos.


Detalhe: antes do fim da campanha, uma ex-aluna de Monica revelou que
ela havia feito um aborto, fato jamais desmentido. Mais tarde, Serra e
Monica, sempre tão ciosos dos valores da família, se separaram.


De lá para cá, os tucanos passaram a se aliar, sem pudor algum, a
todo esgoto religioso disponível, sobretudo aqueles comandados por
lideranças pentecostais ultraconservadoras, como Malafaia, Valdemiro e o
pastor Everaldo, candidato do PSC à Presidência, nas eleições de 2014.


Foi dessa mistura de fanatismo, ignorância, leniência e
pusilanimidade que nasceu a vitoriosa candidatura de Eduardo Cunha
(PMDB-RJ) à presidência da Câmara dos Deputados.


Evangélico, Cunha é a exata simbiose desse triste momento nacional.
Nele estão presentes todos os piores elementos dessa circunstância:
fanatismo religioso, conservadorismo tacanho e fisiologismo político.


E algo me diz que as coisas ainda vão piorar antes de melhorar.

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