domingo, 29 de março de 2015

A política e a perda do discurso ético - Brasileiros

A política e a perda do discurso ético - Brasileiros











A política e a perda do discurso ético

O filósofo Renato Janine Ribeiro mostra
como os avanços sociais do governo federal se deram apenas pelo
consumo, critica a falta de diálogo da presidenta Dilma Rousseff, o
projeto policialesco da oposição, a onipresença do Judiciário e muito
mais




















DILEMA – Para o filósofo, o eleitor de Dilma Rousseff está meio estupefato,
“sem saber se a medicina neoliberal vai funcionar ou não”




Renato Janine Ribeiro é um filósofo em
sintonia com o seu tempo. Professor titular de Ética e Filosofia
Política da Universidade de São Paulo, ele começou a carreira em meados
dos anos 1970, estudando o filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679).
Não demorou a voltar-se para a reflexão e o debate sobre temas da
sociedade atual, o que agora faz em diferentes cenários – da academia às
redes sociais. Sem negar os avanços sociais registrados nos últimos 12
anos no Brasil, o filósofo lamenta que eles tenham se dado pela via do
consumo: “O grande flagelo ético do Brasil é a miséria. Se o PT batesse
nessa tecla o tempo todo e dissesse que está combatendo o problema,
teria uma imagem ética que poderia sobrepor à discussão de corrupção”.


Em um momento conturbado da política nacional, Janine Ribeiro critica
o isolamento da presidenta Dilma Rousseff, o excesso de protagonismo do
Judiciário e a postura da oposição: “Há toda uma crônica policial que
favorece o PSDB, assim como uma mídia que é simpática aos tucanos e
detesta o PT. Isso leva o PSDB a ter um projeto mais policial do que
político”. Para o filósofo, a proposta de impeachment
interessa à oposição “e, talvez, a uma parte da mídia”. Seja como for,
na sua opinião, o melhor seria Dilma Rousseff terminar o mandato em
condições razoáveis: “Qualquer outra coisa, seria dramático”.


Brasileiros – Como o senhor está vendo o momento político?


Renato Janine Ribeiro – Com muita preocupação. As eleições são
recentes e pelo menos quatro chefes do poder Executivo estão com
problemas sérios. A presidente da República e os governadores de São
Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul têm problema parecido, o descompasso
entre o que prometeram e o que estão fazendo. Em São Paulo, a questão é a
falta d’água. Alckmin alegou que não faltaria. No Paraná, o caso é mais
acentuado, porque o governador realmente entrou em choque com os
professores. Organizei inclusive um abaixo-assinado em apoio às
universidades estaduais.


Que mudanças o governador Beto Richa está fazendo?


Ele simplesmente cortou o dinheiro. Cortou a transferência de verbas
de custeio para algumas das principais universidades do Estado, como a
de Londrina. No geral, foram várias medidas. O fato é que, no Paraná, o
orçamento não está fechando. De alguma forma, em algum lugar, vai ter de
cortar.


E ele acaba de ser reeleito.


Assim como Dilma e Alckmin. São três casos de governantes reeleitos
que faltaram com o que prometeram. No Rio Grande do Sul é um pouco
diferente, porque o governador José Ivo Sartori é mais um personagem
folclórico, que se elegeu em um vazio político. A promessa implícita era
de honestidade, mas ele está demonstrando falta de cuidado no gasto
público. Um exemplo foi o uso de helicóptero para fazer um passeio.
Enfim, são quatro lugares com problema. E o problema se torna candente
no Paraná e na esfera federal.


Em São Paulo, a impressão que se tem é que nada pega em
Alckmin, como se a crise hídrica fosse descolada da figura do
governador.



Isso e os maus indicadores na Educação, na Saúde, em tudo mais. Nada
basta para que os paulistas enjoem de um partido que não cumpriu o que
prometeu. O PSDB sempre prometeu competência, qualidade de gestão. E
depois de 20 anos seguidos de gestão em São Paulo deu esse problema.


Tem uma explicação para isso?


É difícil estabelecer, fora o fato de o Estado de São Paulo ter se
tornado muito fortemente antipetista. Nesse sentido, qualquer crítica
que tiver cheiro de esquerda é desqualificada. Não pega por uma questão
ideológica, contrária ao PT. Qualquer sugestão na direção do PT não é
sequer escutada por uma boa parte da população.


Esse fenômeno não ocorre em todo o Brasil? Não há um fortalecimento da direita?


Há o fortalecimento da direita, mas não é igual. No Nordeste, a
partir da Bahia, não é assim. No próprio Estado de Minas, que elegeu um
governador do PT, não é assim. Esse fenômeno está concentrado sobretudo
em São Paulo, no Paraná, em alguns Estados que deram vitória muito clara
a Aécio Neves. Não é um fenômeno nacional, embora seja verdade que,
mesmo nos Estados em que o PT teve maior votação, uma parte
significativa do empresariado é contra o PT.


Como é esse avanço?


A direita tem avançado em boa parte por causa da pouca disposição da
esquerda em fazer o enfrentamento de ideias. E isso não se faz postando
no Facebook fotos de Hugo Chávez de manhã à noite. A pessoa tem de
conquistar quem discorda dela ou está indeciso. Não tem de ficar
reforçando a própria turma. Hoje, na política brasileira, tucano fala
para tucano, petista fala para petista. Ninguém convence ninguém. Com
isso, se destrói um dos elementos básicos da política, que é a
persuasão.


O movimento a favor de um impeachment está crescendo de forma perigosa?


O único lugar que as pessoas saíram à rua, em massa, protestando,
pressionando, foi o Paraná, contra o governador. Lá, um Estado muito
conservador, os professores tiveram, inclusive, a iniciativa de irem à
casa dos deputados que eles elegeram e que apoiam Richa para cobrar
deles uma posição. O caso federal é bem diferente, porque não tem uma
mobilização nas ruas comparada à do Paraná. Pelo menos, não por
enquanto. E o segundo ponto é que, a presidenta ou presidente, como
quiser, Dilma não deu satisfação a ninguém.


Esse é um problema.


Esse é o grande problema. Porque Richa e os seus, de alguma forma,
estão falando. Não convencem, mas estão falando. Agora, no plano
federal, o PT não está dando nenhuma satisfação.


É um problema de comunicação ou é deliberado?


Deliberado não é, mas não é apenas uma questão técnica. Assessor ruim
eles têm. Isso é óbvio. Só um maluco cumprimentaria a Beija-Flor no
perfil oficial da Dilma, como foi feito. Falasse sobre o Carnaval da
Bahia, falasse de Norte a Sul. É muito simples. Bastava ter alguma
inteligência.


A escola com patrocínio da ditadura de Guiné Equatorial.


Na verdade, é uma concepção de governo que não precisa prestar contas
à sociedade. É isso que a Dilma está mostrando. Uma concepção de
governo muito inquietante, porque é, no limite, autoritária. Adota as
medidas que precisam ser adotadas, mas não explica. E não explica por
que prometeu fazer uma coisa e está fazendo o contrário.


É o que aconteceu na reorientação da política econômica?


Isso. Os cortes nos programas sociais também poderiam ter sido
explicados. A questão do defeso, da compensação para o pescador no
período em que ele não pode trabalhar. Poderia ter explicado que o
defeso é alvo de muita fraude. Poderia ter colocado isso mais a público.
Não colocou. Não há nenhuma satisfação sendo dada. E os ministros
continuam tendo as orelhas puxadas cada vez que falam uma coisa de que
ela não gosta. Não há autonomia dos ministros.


De nenhum deles?


Os ministros com mais autonomia são o Joaquim Levy e o Juca Ferreira.
O primeiro justamente por ser quase uma intervenção tucana na economia,
um símbolo do descumprimento da promessa de campanha. O segundo está em
uma pasta para mim fundamental, mas não para o governo, que é o
Ministério da Cultura. Mas Juca Ferreira tem força no meio cultural que
dá a ele grande autonomia. Como ele maneja um orçamento pequeno,
comparado com o resto, provavelmente não vai levar puxão de orelha. Os
outros ministros correm o risco de terem a orelha puxada o tempo todo. O
que torna difícil para eles irem a público. Vão defender o quê? De
repente, muda tudo. Defendem o governo e recebem uma correção de cima.


Ao mesmo tempo, o PMDB parece estar cada vez mais forte,
independente, até mesmo chantageando. O vice-presidente Michel Temer já
avisou que não tem controle sobre o partido.



São várias coisas. Se Dilma conversasse com Temer e Lula, ela
certamente teria mais apoio. A sensação é que a presidente se isolou
muito, que ela não conversa com gente de peso. Temer tem peso
institucional. O ex-presidente Lula tem a força carismática, a
popularidade, inclusive no meio empresarial. Por outro lado, o PMDB
conta hoje com os três sucessores constitucionais à Presidência da
República: o vice-presidente, o presidente da Câmara dos Deputados e o
presidente do Senado Federal. Não se esperava isso. Então, o PMDB está
adquirindo força só pelo vazio que o PT está deixando na política. O PT
desocupou o espaço que tinha. Não desocupou com Dilma porque ela não
gosta de política. O PT começou a esvaziar com Lula.


Quando?


No começo de 2003. Uma das primeiras medidas que Lula fez votar foi a
Reforma da Previdência, que nunca foi do programa do PT. Isso levou à
saída dos que depois formaram o PSOL. Começou um processo em que o PT
parou de ter um discurso, em que o presidente do PT é uma pessoa que
fica em segundo, terceiro plano. É mais importante ser ministro de uma
pasta secundária do que presidir o PT, ou ser líder do governo no Senado
ou na Câmara. Quer dizer, os cargos essencialmente políticos foram
sendo esvaziados em favor do ministério.


O que o partido defendia não era compatível com o que é possível fazer no Executivo?


Esse é um dos lados da questão. Mas poderia, ainda assim, explicar o
processo, dizendo, por exemplo, que elegeu menos de 20% da Câmara e não
pode governar sozinho. Há um discurso óbvio: o governo Lula foi
fantástico do ponto de vista da inclusão social. Isso não teria sido
possível em uma política de enfrentamento. Se os meus amigos
intelectuais tivessem conseguido botar para fora o Henrique Meireles (presidente do Banco Central),
Lula não teria durado. O governo dele teria sido uma calamidade. Tudo o
que PT fez no governo foi porque Lula amarrou os acordos. Minha questão
é que não houve um trabalho político em cima desses acordos. E o ponto
político essencial, na verdade, é ético. O PT era o grande partido ético
brasileiro. Hoje, o PT conseguiu a fama de ser um partido antiético.


Na verdade, a fama é de ser um partido corrupto.


O PT teria de perceber que toda a inclusão social foi transformada em
um grande projeto de consumo. Não se tornou um projeto ético. No século
19, o grande flagelo ético do Brasil era a escravatura. Hoje, o grande
flagelo ético é a miséria. Não estou falando nem da pobreza. Um país com
milhões de miseráveis é uma droga. Se o PT batesse nessa tecla o tempo
todo e dissesse que está combatendo o problema, ele teria uma imagem
ética que poderia sobrepor à discussão de corrupção.


O PT bate nessa tecla.


Não do ponto de vista ético. Ele bate nessa tecla do ponto de vista
do consumo. Diz que melhorou o consumo das pessoas. A oposição, no
discurso dela contra a corrupção, jamais levanta a questão da miséria.
Não estou dizendo que a oposição quer a miséria. Mas em nenhum discurso
dos líderes da oposição se vê a miséria como uma chaga ética. Para eles,
a chaga ética é o desvio de dinheiro. Não parecem estar se ofendendo
com a miséria. Esse era um ponto em que o PT poderia bater, mas não faz
isso. Ele deixou todo o campo da discussão ética em mãos da oposição.


O PT não perdeu o discurso da ética depois de 2005, do Mensalão? O senhor fala em 2003.


Talvez você tenha razão. Falo em 2003 porque, em primeiro lugar, o PT
não deu satisfação nenhuma da mudança de programa, da priorização da
Reforma da Previdência. Segundo, o partido tornou-se figurante no
projeto lulista. Em 2003, Lula está tomando assento, não dá tempo de
fazer uma grande discussão popular. Em 2004 e 2005, tem o Mensalão e ele
reage aumentando os programas sociais. Em seguida, vem a cornucópia de
votos, o segundo mandato e toda a popularidade que Lula granjeou com os
programas sociais. Deste ponto de vista, há uma época áurea, não só para
o PT, mas para o Brasil.


Até no protagonismo internacional.


Tudo. Faltou estruturar isso em uma sustentação popular que fosse
além do bolso. Acabou ficando muito o bolso. Até porque não dá para
cobrar de um partido o que ele não poderia fazer. Fazer o enfrentamento
do capital teria sido muito difícil. Agora, o que não deixa de ser meio
triste é que houve 12 anos de governo do PT, sem enfrentar jamais o
capital.


Sem ao menos negociar.


Negociar, negociou. Nunca houve um enfrentamento de choque. No
entanto, esse setor empresarial está muito descontente. Pelo que ouvi
dos empresários, o descontentamento inicialmente não era com o PT. Era
com Dilma. Tanto que um ano atrás, os empresários poderosos queriam
Lula. Não queriam outro. Em 2010, eles queriam Lula. Não sendo Lula,
eles preferiam Serra a Dilma porque conheciam Serra. No ano passado,
eles preferiam Lula a Dilma. E preferiam Lula a Aécio. Quando Lula não
entrou na campanha, eles foram para o outro lado. E Dilma conseguiu, não
sei de que maneira, torrar o patrimônio que ela amealhou no segundo
turno.


Com um Executivo ausente e um Legislativo que só defende causa própria, o Judiciário está ocupando um espaço desproporcional?


Sim. O Judiciário, as profissões correlatas, a Procuradoria Geral da
República, tudo. Há um processo pelo qual muito está sendo decidido por
eles. É preocupante porque, em um Estado Democrático, eles devem ter um
papel subsidiário. Não essencial. Um exemplo: a Constituição de 1988 é
programática. Se um governo decidisse não promover o aumento real do
salário mínimo todo ano, poderia ser questionado. É um aspecto que a
Constituição propicia. Agora, o Judiciário está indo para questões muito
específicas. Ele se beneficia do fato de ser atualmente o poder em
última instância. É o que declara tudo.


Até permitiu que um juiz saísse com o Porsche de um réu.


Isso já é uma deformação grande. Há juízes que estão barbarizando. Um
prendeu os funcionários da companhia aérea em Imperatriz quando estava
atrasado para o embarque, o outro tripudiou a agente de trânsito no Rio
de Janeiro. Ele teve o endosso do Tribunal de Justiça do Rio, o que é
muito grave. Para a opinião pública, o Tribunal de Justiça proclamou que
os juízes são deuses. Há duas profissões com péssima mídia. Juízes e
médicos. São as duas profissões que estão com imagem junto à sociedade
de gananciosas, de interesseiras, de egoístas, de pouca preocupação com o
bem comum. Claro que a maior parte não é assim.


Por que os médicos? Por causa da reação de parte deles quanto ao programa Mais Médicos?


Coincide, mas a questão mesmo são os casos de abuso. Um relato
recente foi o de Néli Pereira, jornalista da BandNews FM, que foi a um
médico de convênio, em um bom hospital de São Paulo. O médico disse que
não iria atendê-la, que não dava para fazer uma consulta boa pelo
convênio, que pagava a ele R$ 40 reais. Falou para ela ir no amigo dele,
que cobra R$ 700. E aproveitou para pedir para participar do programa
dela. Um absurdo. Como um médico dá um malho de 700 paus e ainda acha
que a pessoa vai promovê-lo no programa dela? É ser muito sem noção.
Esse é um aspecto que está batendo na sociedade brasileira. Há pessoas
que não se dão conta do que fazem. Acham normal agir de uma forma
antissocial.


Às vezes, soltam a porta em cima da pessoa que está passando. Falta um comportamento ético?


É ético, mas se pode dizer que está faltando o mínimo de boas
maneiras, de educação, de percepção do outro. A capacidade de se colocar
no lugar do outro sumiu. Esse é um traço que está acontecendo. Quando
se tem uma sociedade que só se orienta em direção ao consumo, é difícil
estabelecer outra coisa. E acho que o mérito e o fracasso da inclusão
social do governo Lula é ter sido basicamente pelo consumo. Por que é um
mérito, uma vantagem? Porque pelo consumo se deu bem com o
empresariado, com a produção. Quando se inclui pelo consumo, as pessoas
compram mais geladeira, mais carne, mais ovo…


E também ficam mais felizes. Em um primeiro momento, elas não tinham geladeira e queriam ter. Faltou um segundo momento?


Acho que deveria ter sido simultâneo. Deveria ter insistido o tempo
todo no tema que Dilma adotou – País rico é país sem pobreza. Se fosse
usado pra valer, desde o começo do governo Lula, esse tema é um projeto
de País. Não é um projeto de bolso. E você teria resultados. Um problema
que os tucanos apontam muito, com razão, é o despreparo da mão de obra.
Os programas sociais são bons, mas muitas pessoas entraram em uma zona
de conforto, em vez de se prepararem para serem melhores trabalhadores.


Qual a saída?


Associar os programas sociais fortemente com educação, com
treinamento da mão de obra. Claro que tem o Pronatec, tem programas
bons, mas é preciso expandi-los.


O PSDB falou na campanha. Qual teria de ser o papel da oposição hoje?


O PSDB tem um espaço para abraçar a agenda do empreendedorismo. O
PSDB está mais para ser um partido do grande capital do que do
empreendedor. Não é social-democrata, mas tem um foco mais liberal. O
grande espaço deles seria: “Vamos ser liberais”. O ideal seria uma meta
do tipo ter dez milhões de empreendedores em quatro anos. O avanço para a
economia seria significativo e o partido conseguiria uma base
extremamente forte.


Mas como o PSDB está agindo hoje?


Sabe o caminho das rosas e o caminho dos espinhos? O PSDB está
procurando o caminho das rosas, que é o mais fácil. E o caminho mais
fácil é o quê? Há toda uma crônica policial que os favorece, assim como
uma mídia que é simpática a eles e detesta o PT. Isso leva o PSDB a ter
um projeto mais policial do que político. Eles estão vendendo para si
próprios a ideia de que quase venceram a eleição. E isso os está cegando
e os tornando incapazes de fazer uma crítica do que poderiam ter feito e
de como atuar hoje. Hoje, está claro o seguinte: como o governo da
Dilma foi uma decepção do ponto de vista econômico, então, a política
que ela está adotando agora é tucana. Com ressalvas, mas é parecida com a
dos tucanos.


Como Lula no primeiro mandato?


Com a diferença de que Lula recebeu uma herança difícil e Dilma pega
sua própria herança. Como o Richa. O PSDB poderia ter muitas propostas,
ser mais transparente. Um problema sério das campanhas foi o ocultamento
de dados fundamentais. No fim das contas, o PSDB concordou com o Bolsa
Família. Mas esse programa não é o grande motor das mudanças sociais. O
grande motor é o aumento real do salário mínimo. E isso o PSDB iria
reduzir, com o argumento bom de que a economia brasileira não comporta
elevar o mínimo em termos reais. O PSDB poderia ter entrado nessa
discussão depois das eleições.


O PSDB está muito raivoso.


Sim. Porque acha que, se sacudir um pouco a árvore, tudo cai no colo dele.


Há alguma semelhança entre o atual momento e a República do Galeão?


Não chega a ter. O projeto golpista contra o getulismo contou como
atores principais a UDN, o empresariado urbano e rural, o governo dos
Estados Unidos e os militares. Hoje, os militares não querem o poder. E
os setores de direita querem muito pouca interferência estatal. E chamar
os militares para não fazer nenhum tipo de intervenção estatal me
parece contraditório. Então, os militares estão fora. O governo dos
Estados Unidos talvez veja com simpatia a queda de Maduro (Nicolás Maduro, da Venezuela) ou uma derrota do grupo de Cristina (Cristina Kirchner, da Argentina)
nas eleições. O Brasil é muito grande para o governo americano se meter
em uma aventura. E nem representa nenhuma ameaça a eles. O máximo que
aconteceu foi que, em um episódio, a Dilma fechou a cara para eles.


E o empresariado?


Eu me pergunto qual seria a lógica de trocar Joaquim Levy por uma
convulsão social. Ele já responde a uma parte substancial das demandas
do mercado. Ele talvez seja o único ministro indemissível desse governo.
Não apenas porque ele é forte. Se ele se demitir, todos saberão que
Dilma não apoiou seu projeto de recomposição da economia. Se eu sou
empresário, eu prefiro o Levy a Armínio Fraga, se o preço de o Armínio
entrar for um processo complicado de impeachment, com
manifestações na rua, com contramanifestações, greves. Se o governo for
mais à direita pelo fruto de um processo não democrático, como aconteceu
no Paraguai e em Honduras, haverá fortes riscos de a sociedade entrar
em uma crise séria. Isso não é bom para os empresários.


Quem quer o impeachment?


Não vejo vontade de tirar a Dilma do governo, a não ser do próprio
PSDB e talvez de setores da mídia. A carta-testamento de Getúlio tem uma
parte muito triste afirmando que o povo nunca mais será escravo. Foi.
Houve mais 20 anos de ditadura. Hoje, temos uma classe dos mais pobres
com muito mais autonomia. O pobre de algumas décadas atrás era mais
humilde. Hoje, é muito mais afirmativo.


Qual é sua posição em relação à regulação da mídia?


O que a esquerda tinha de fazer é constituir órgãos de mídia. Nestes
12 anos de governo do PT, não fomos além de uma proliferação de blogs,
que alguns chamam de sujos. Alguns são bons; outros são péssimos. Mesmo
os melhores não cobrem o que o jornal cobre.


O que a presidenta Dilma pode fazer para afastar a ideia de impeachment?


Dilma deveria fazer política, no sentido de reconquistar o
eleitorado. Enquanto a oposição faz coisa de polícia, e não de política,
o governo não está fazendo nenhuma das duas coisas. Por que Dilma foi
escolhida? Eu sempre tive a convicção de que Patrus Ananias teria muito
mais o perfil (para a Presidência), por ser alguém que teve
sucesso nas políticas sociais, que já tinha exercido cargos de chefia,
ter uma origem no PT mais antiga e circular bem politicamente.
Provavelmente, Lula a escolheu porque achou que dos nomes possíveis do
PT era a mais próxima do empresariado. Eu pensava que ela iria fazer uma
política mais de direita, mais próxima dos empresários.


Por quê?


Dilma não parece ter muita simpatia por um elenco de temas de
esquerda. Ela nem tem familiaridade com os termos. Tempos atrás, ela
falou sobre opção sexual e não orientação sexual. Um presidente da
República que vai falar tem de ser brifado. Nenhum presidente ou chefe
tem de saber tudo. Ele tem de saber menos do que cada um de seus
ministros. Mas ele tem de fazer política.


Para isso, ele tem de ouvir.


Dizem que ela intervém demais nos ministérios, que não tem muita confiança (nos ministros).
Tivemos uma eleição mais alicerçada nos defeitos de um candidato do que
nas qualidades do outro. Não foi uma eleição em busca do melhor. E
estamos com um problema grande hoje porque não vemos uma saída. Não vejo
um horizonte de melhora na disputa política. Mas vamos pensar no que é
melhor para o Brasil e não para o PT.


O que é melhor?


Que Dilma termine o mandato em condições razoáveis. Qualquer outra
coisa seria dramático. Se Dilma acabar renunciando, ou pior ainda, se
sofrer um impeachment, este País vai ficar em um conflito muito
grande. Não adianta Temer fazer um governo melhor, porque a temperatura
estará aquecida. Mas vamos pensar em 2018. O PT pensa no Lula e o PSDB,
pelo visto, vai de Aécio, Serra ou Alckmin. Do quarteto que toma
decisões, o único que não deve concorrer é o Fernando Henrique. Beto
Richa, que poderia entrar no clube depois de o PSDB ter perdido em
Minas, está sob um tiroteio muito forte.


Há risco real de impeachment?


Não temos prévias disso. A única prévia é o governo Collor. Ele foi
eleito, assumiu o cargo legitimamente, e acabou ejetado por uma agenda
policial. Mas Collor não tinha nenhum apoio de partido ou movimentos e
fracassou redondamente. Hoje, há a busca de um pretexto para tirar a
Dilma. E ninguém tem argumento policial forte. Estão procurando.


E se encontrarem?


Se encontrarem algum sinal de que ela tampou a corrupção na
Petrobras, vai ser feio, muito feio. Mesmo que ela tenha feito isso a
contragosto. Mas o problema não é esse. O problema é o descontentamento
de uma parte da sociedade. Quem votou nela está meio estupefato, pelo
caminho que Dilma tomou e não se sabe se esta medicina mais neoliberal
vai funcionar ou não. Outro ponto importante é que parte do PT tem
posições conservadoras. Em junho de 2013, o partido condenou os
protestos. Em outras condições, o PT nadaria de braçada. É a ideia de
Sartre: há sempre razões para se revoltar. A revolta é legítima. Outra
coisa: o PT virou o partido que diz em público compreender a corrupção.
Isso é muito ruim. Os protestos contra as condições de encarceramento
dos empresários saíram mais de pessoas ligadas ao PT do que de partidos
de direita.


Tem chance de uma força política nova emergir no Brasil, como ocorreu na Grécia, com o Syriza?


Seria bom demais, mas acho muito difícil. É difícil porque o que se
colocou à esquerda do PT, o PSOL, tem falhas sérias de projeto, de
programa. Tirando Jean Wyllys e outros poucos, o pessoal não tem faróis
muito altos. O nosso sistema tem uma coisa muito boa: o período de
campanha eleitoral, sobretudo para presidente, ele destroça quem não tem
consistência. Dilma levou três anos de cacete. Aécio levou um ano de
porrada. Marina não aguentou dois meses. O fato de se ter um projeto
mais ou menos consistente conta. Hoje, não visualizo isso em ninguém. O
PT e o PSDB são fracos nesse ponto. Apesar de todas as críticas ao PT,
acho o PSDB pior do que o PT, mas eu não gostaria de continuar votando
no mal menor. I


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