domingo, 7 de dezembro de 2014

Sem fim

Sem fim, por Janio de Freitas

Sem fim, por Janio de Freitas

 
 
O relatório pode encerrar o valioso trabalho da Comissão da Verdade. Mas as buscas e os achados vão continuar
 
Por Janio de Freitas 
 
A Comissão da Verdade chega nesta
semana aos seus dias finais, forçada pela inverdade burocrática de que
as verdades se sujeitam a prazos.
 
A Comissão Nacional da Verdade deveria
ser uma das instituições do Brasil democrático. Para ser permanente e
ininterrupta. Para tornar a busca da verdade histórica, com suas tantas
projeções, parte natural da cultura brasileira. Há muito o que buscar,
não se trata só de tortura e assassinatos. No que é dado como História
do Brasil, há muito a corrigir, inclusive com pesquisas já iniciadas,
muito a esclarecer e lacunas a preencher a partir de pesquisas e estudos
merecedores de incentivo.
 
A verdade histórica não se completa,
nunca. É sempre possível encontrar um componente a mais na formação do
episódio ou da etapa em questão. Nem é possível saber até onde e até
quando procurar. Tais noções pareciam presentes, em certa medida, na
ideia inicial de que a abrangência da comissão e suas buscas viesse da
ditadura de Getúlio, embora o objetivo imediato fosse a caracterização
dos modos e autorias dos crimes da ditadura. Mesmo contra esse estreito
objetivo foi aplicado o obstáculo do prazo.
 
Ainda assim, a Comissão Nacional da
Verdade mais do que justificou sua criação, no prazo e nas
circunstâncias adversas em que trabalhou. O atestado dessa importância
não estará só no seu relatório final, a ser apresentado daqui a três
dias. Já está em uma coincidência humilhante para o Brasil. Quando a
verdade dos crimes ditatoriais deixa de ser investigada pela CNV, a
Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados
Americanos notifica o Estado brasileiro por descumprimento das
determinações a que foi condenado há quatro anos.
 
Não é uma notificação simples. Tem
mais de 40 páginas de exigências, advertências e acusações. O Brasil é
acusado de "perpetuar a impunidade". Contra ela, a Corte reclama a
providência, já determinada em 2010, de que a Lei da Anistia deixe
formalmente de ser impedimento à investigação dos crimes da ditadura e
ao julgamento penal dos respectivos autores.
 
As comissões para procura de corpos
dos mortos no Araguaia são desmoralizadas pela distorção, que a Corte
considera inadmissível, de nelas ser incluída a própria instituição
responsável pelas mortes e desaparecimentos a serem investigados. O
Judiciário brasileiro não se sai melhor: é acusado de "continuar
aplicando a Lei da Anistia e o instituto da prescrição como obstáculo
contra a investigação das graves violações feitas pela ditadura militar
e, assim, não considerar a sentença emitida pela Corte" há quatro anos.
 
Dilma Rousseff é chamada a realizar os
atos de que é devedora: as ratificações do Brasil às resoluções da ONU e
da OEA sobre os assuntos da condenação e da notificação.
 
O relatório final pode encerrar o
valioso trabalho da Comissão da Verdade. Mas as mesmas e outras buscas,
achados, análises e conclusões vão continuar, queiram ou não os
comprometidos diretos e indiretos com os crimes e os criminosos. Vão
continuar por outros meios, em menor escala, de modo mais restrito, mas
seguem, porque é assim que a História faz a construção infinita da sua
verdade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário