sexta-feira, 2 de maio de 2014

Mauro Santayana: O BRASIL E OS MERCENÁRIOS DA BLACKWATER

Mauro Santayana: O BRASIL E OS MERCENÁRIOS DA BLACKWATER



O BRASIL E OS MERCENÁRIOS DA BLACKWATER





(Jornal do Brasil) - A Folha de São Paulo
informa  que 22 agentes e policiais
militares estiveram, por vários dias, em treinamento, nos Estados Unidos, em
atividades “antiterroristas”. O curso foi ministrado pela Blackwater, hoje Academi,
uma organização “terceirizada” de mercenários, que é conhecida, justamente, por
ter auxiliado os Estados Unidos, em vários países do mundo, em atividades de
terrorismo de estado.

Ora, nossos agentes e soldados não tem absolutamente nada a
aprender com os EUA a propósito da “luta contra o terror”.

Primeiro, porque não possuímos - como eles, que a criaram, interessadamente
- uma doutrina “antiterrorista”, e também porque não temos porque adotar uma no
futuro. Nem consideramos como terroristas os povos e grupos que os
norte-americanos acusam de terrorismo, como os iranianos ou os palestinos.

O Brasil democrático – é duro ter que lembrar isso todo o
tempo - não invade nem rouba territórios alheios, não apóia golpes em terceiros
países, nem possui inimigos no mundo.

A não ser, claro, aqueles - como é o caso justamente dos EUA -
que querem voltar aos velhos tempos em que tinham quase que total domínio sobre
o nosso destino.

E que para isso ficam inventando histórias da carochinha para enganar o bando – sempre
disponível – de néscios embasbacados, ao longo de anos, pelos seminários de
“segurança” estilo Escola das Américas;
tapinhas, nas costas, dos adidos militares “ocidentais”; e pelas séries
policiais de TV e os filmes de espionagem norte-americanos.

É incompreensível, para não dizer inaceitável – mesmo
considerando-se toda a pressão advinda da oposição e da própria administração
pública - que um governo que se diz nacionalista e de “centro-esquerda” aceite “ajuda”,
em treinamento, de uma potência hegemônica estrangeira.

E, menos ainda, que forças brasileiras de segurança sejam “adestradas”
por uma quadrilha de mercenários, pertencentes a uma “empresa” conhecida pela
prática do assassinato e da tortura em países como o Iraque, em conflito, no
qual, o Brasil esteve, desde o início, radicalmente contra a posição
norte-americana.

Afinal – mesmo que justificável fosse esse tipo de
“treinamento” - a Blackwater é mais conhecida por sua estupidez e
trapalhadas, do que por sua eventual competência em uma área em que se costuma valorizar
mais a inteligência que a brutalidade e o gatilho. Ela é apenas uma unidade de
“seguranças”, e não uma tropa de elite. 

Não se conhece uma única operação em que a Blackwater tenha detido algum importante
“terrorista”, como são chamados os que se insurgem, normalmente em seu próprio
solo, contra a OTAN e os Estados Unidos.

Mas seus homens são sobejamente conhecidos por atirar em pessoas
inocentes e por outras situações que não exigem nenhum tipo de coragem pessoal.

Entre elas, ficou famosa uma simples missão de proteção de um
comboio que levava pessoal do Departamento
de Estado
, para uma reunião com funcionários da Agência de Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos, no
Iraque, no dia 16 de setembro de 2007.

A incompetência dos homens da Blackwater Personal Security Detail transformou uma simples missão
de escolta, em um tiroteio descontrolado, e não justificado, contra uma
multidão desarmada de civis iraquianos, que deixou um saldo de 17 mortos e
dezenas de feridos, na Praça Nisour, em Bagdá.

Entre outras falhas de segurança e de autocontrole e
disciplina, um dos assassinos da empresa continuou atirando nos civis mesmo
depois do fogo ter sido suspenso, e só deixou de disparar quando um “colega” se
aproximou e, apontando a arma para sua cabeça, ameaçou abatê-lo, se continuasse
a fazê-lo.

O massacre indignou o governo e a população iraquiana, e o
episódio foi determinante para a posterior saída das tropas norte-americanas, e
da própria Blackwater, do país.

Pressionado, o Departamento de Estado foi obrigado – só então
– a baixar uma lei colocando sob a jurisdição dos tribunais norte-americanos
crimes passíveis de punição cometidos por mercenários de empresas
“terceirizadas”, em território estrangeiro; uma investigação da Câmara dos
Deputados dos EUA, determinou que os homens da Blackwater estavam envolvidos em vários episódios de “uso excessivo
de força”, com mortes, no Iraque, e que em 80% dos casos disparavam sem ter
sido previamente atacados.

O deputado norte- americano, Henry Waxman, declarou, após produzir
relatório sobre o tema, que a controvérsia sobre a Blackwater era uma infeliz demonstração dos “perigos do relaxamento
excessivo”, na contratação de seguranças privados pelo sistema de defesa dos
Estados Unidos.

No mesmo ano, a ONU divulgou um estudo, declarando que a
contratação de empresas privadas como a Blackwater
não passa de nova forma de encobrir “atividades mercenárias”, o que é
claramente  ilegal sob as leis
internacionais.

Os EUA – que se apresentam como os paladinos da defesa da Lei
e da Ordem - não são signatários da Convenção das Nações Unidas de 1989, que
proíbe o uso de mercenários. Também não aderiram ao protocolo adicional de 1977
à Convenção de Genebra, que
classifica os mercenários como civis “que participam diretamente de combates,
com o intuito de ganhos privados”.

Para o governo brasileiro, o episódio do treinamento de
forças de segurança nacionais por uma empresa ilegal, aos olhos da legislação
internacional, sediada nos Estados Unidos, é uma vergonha.

Primeiro, porque se o governo tinha conhecimento disso no
mais alto escalão, sabia do papelão que estava fazendo perante parte da opinião
pública, e a parceiros do BRICS e da América do Sul.

Em segundo lugar, porque se a decisão foi tomada de forma
independente pela “Secretaria de Segurança para Grandes Eventos” é preciso
reforçar, por lei, o conceito, de que a aceitação de “ajuda” de terceiros
países para treinamento de policiais brasileiros de qualquer escalão ou
organização, é assunto de segurança nacional e deve ser de  exclusiva atribuição da Presidência da
República, ouvida a Comissão de Relações Externas, no Congresso.

Não é preciso ser expert
para saber que sob o manto desses programas de “cooperação”, os Estados Unidos
não buscam nada mais do que cooptar – como fizeram no passado - técnica e
ideologicamente nossos agentes e oficiais, para a defesa de seus interesses e
de sua visão de mundo.

Com a esperança, até, de obter apoio ou facilitação,
eventualmente, para futuras ações de espionagem, em território brasileiro.

Para efeito de comparação, o que não estaria ocorrendo, se, por
decisão de uma comissão qualquer – sem eventual conhecimento do Itamaraty e da
Presidência da República – no lugar de ir para Moyock, na Carolina do Norte, esse pessoal tivesse viajado para um
centro de treinamento em Cuba, ou na Rússia?

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