quinta-feira, 12 de julho de 2012

A taxa de juros e a doença holandesa — Portal ClippingMP

A taxa de juros e a doença holandesa — Portal ClippingMP

A taxa de juros e a doença holandesa

Autor(es): Adalberto Cardoso
Valor Econômico - 12/07/2012
 

Na segunda metade da década de 2000 foi intensa a discussão entre economistas e jornalistas especializados sobre estarmos ou não sofrendo da chamada "doença holandesa". O termo não faz justiça aos holandeses, mas generalizou-se como conceito aplicável a situações de desindustrialização resultante da apreciação cambial provocada pela exportação de commodities. O caso holandês é tomado como expressão típica disso. Nos anos 1960 o país descobriu grandes jazidas de gás natural, que rapidamente se tornou seu principal produto de exportação, provocando longeva entrada de dólares, o que levou à valorização do florim e à perda de competitividade de sua indústria, e consequente desindustrialização.
Autores como Luiz Carlos Bresser-Pereira e Antônio Delfim Netto não têm dúvidas de que o Brasil vive sua doença holandesa. O aumento acentuado do preço das commodities (soja, carnes de todo tipo, minérios, celulose, madeira, açúcar...) exportadas pelo Brasil ao longo da década de 2000, responsável pelo boom exportador que sustentou o crescimento econômico e a redução de nossa estrutural fragilidade externa até pelo menos 2010, teria provocado excessiva e duradoura valorização cambial, gerando aqui o mesmo efeito do gás natural na Holanda: desestruturação da malha industrial, com perda importante de elos da cadeia produtiva; aumento da dependência de importações para suprimento da indústria sobrevivente, com impactos negativos sobre a balança comercial setorial; perda de competitividade internacional dos produtos; enfim, desindustrialização.
Entrou mais dólar no país pela aplicação em títulos da dívida pública do que pela exportação de commodities
A controvérsia em torno do tema é grande, já que outros autores (como Maílson da Nóbrega, por exemplo) argumentam na direção contrária. Para eles, as cadeias de produção de commodities têm efeitos positivos sobre diversos segmentos da malha industrial e de serviços, além de gerar as divisas de que o país precisou para honrar seus compromissos nos últimos anos.
Seja como for, parece fora de dúvidas que a indústria brasileira vive momento complicado. Em maio de 2012, segundo dados do IBGE, o setor industrial como um todo havia acumulado perda de 1,76% em 12 meses. A queda fora maior em setores como têxtil (13,1%) vestuário (10,4%) calçados e artigos de couro (9,3%), máquinas e equipamentos de informática para escritório e máquinas e aparelhos de material elétrico (mais de 7% cada), mais sensíveis à competição externa, principalmente da China. Malgrado a crise internacional, que contribui para o fraco desempenho dos segmentos exportadores da indústria nacional, talvez seja mesmo o caso de que a taxa de câmbio tenha ficado por tempo demais abaixo do que os especialistas consideram "taxa de equilíbrio", isto é, algo em torno de R$ 2,00 por dólar, com isso provocando por aqui os sintomas da doença holandesa.
Nos debates sobre nossa possível doença, contudo, costuma-se mencionar apenas a crescente especialização da pauta exportadora e o preço das commodities como causas da apreciação do câmbio. Quase nunca se menciona a taxa de juros como fator de atração de capital, o que não deixa de ser espantoso, já que o país praticou as maiores taxas de juros do mundo por uma década e meia. E os números são portentosos.
Segundo dados do Banco Central, entre janeiro de 1996 a maio de 2012 investidores estrangeiros, aplicaram a bagatela de US$ 420 bilhões (em valores de maio de 2012, atualizados pelo INPC) em títulos da dívida pública brasileira (sobretudo em renda fixa), títulos lastreados, portanto, nas taxas de juros oficiais. A exportação de produtos básicos no mesmo período atingiu a cifra de US$ 850 bilhões, também em valores atualizados. Logo, entraram no país, pela porta da dívida pública interna, metade de tudo o que país exportou em commodities em 15 anos. A taxa de juros atraiu, sozinha, mais dólares do que cada commodity em particular. E vale notar que o investimento dos brasileiros em renda fixa limitou-se a US$ 46 bilhões, ou pouco mais de 10% do que os estrangeiros aplicaram.
Outro dado relevante: no mesmo período o Brasil pagou a esses investidores (repita-se, em sua imensa maioria estrangeiros), na forma de juros sobre a dívida interna, nada mais nada menos que US$ 1,4 trilhão, o que equivalia a duas vezes o PIB da Holanda de 2010, e a 65% do PIB brasileiro de maio de 2012, ainda segundo dados do Banco Central. A taxa de juros funcionou, portanto, como uma draga de duas bocas, que injetou recursos por uma porta e sugou riqueza nacional pela outra.
Sugou, sobretudo, recursos que poderiam ter sido canalizados para o investimento em infraestrutura por exemplo, reconhecido gargalo que aumenta os custos e reduz competitividade da indústria. Portos, estradas, ferrovias, aeroportos, refinarias de petróleo, metrôs e também pessoal qualificado de nível superior, jovens e adolescentes formados em escolas públicas de qualidade, hospitais mais bem equipados, médicos e professores melhor remunerados, tudo isso virou fumaça na draga reversa dos juros altos. Juros, aliás, que consumiram o equivalente a três vezes o orçamento do Ministério da Saúde entre 1996 e 2011, e a cinco vezes o orçamento do Ministério da Educação no mesmo período.
A analogia com a doença holandesa, portanto, escamoteia um elemento central de nossa própria "doença", mesmo que seu efeito desindustrializante ainda precise ser provado: por aqui, a pressão sobre o câmbio decorreu tanto da sobrevalorização das commodities (que em 2011 representaram 50% da renda proveniente de exportações) quanto das altas taxas de juros, praticadas por período longo demais. Estas últimas ainda tiveram o custo adicional de sugar a riqueza gerada localmente, o que limitou a capacidade de investimento do Estado visando o bem estar da população e maior eficiência do investimento produtivo.
Adalberto Cardoso é doutor em sociologia, professor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ).

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